São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
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Psicólogo questiona classe especial

FERNANDO ROSSETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Estudantes com meros problemas familiares ou com a escola estão sendo classificados como "doentes" e, por isso, acabam encaminhados a classes especiais para deficientes mentais leves, afirma o psicólogo Roberto Moraes Salazar, em sua tese de mestrado defendida na PUC de São Paulo.
Para ele, essa prática, apoiada por psicólogos, vem isentando as escolas de suas responsabilidades pedagógicas e atribui à criança as causas de seu insucesso escolar.
Em 1995, as escolas da rede estadual de São Paulo tinham cerca de 2.200 classes ditas especiais, das quais 1.635 eram para esses portadores de deficiência mental leve. Ao todo, 24.525 alunos eram então classificados nessa categoria.
Na dissertação, Salazar analisa os laudos psicológicos utilizados para encaminhar crianças a essas classes especiais. Trabalhou com uma amostra de 82 laudos, de 55 alunos, distribuídos em cinco classes especiais e três escolas na cidade de São Paulo.
Entre suas conclusões, ele destaca "a ausência ou precariedade de fundamentação teórica ou empírica desses laudos -o que nos remete para a discussão sobre a pouca qualificação oferecida aos psicólogos para resolver questões pertinentes à escola".
Ele também diz que os psicólogos "idealizam a classe especial em relação ao atendimento que oferece à criança, o que é um reflexo provável do seu desconhecimento e de sua desinformação a respeito do cotidiano dessas classes". Para Salazar, "o laudo psicológico tem se caracterizado como um documento perverso e poderoso, que discrimina e segrega alunos a pretexto de problemas ou dificuldades que eles apresentam na escola".
Segundo a lei, as classes para portadores de deficiência mental devem ser compostas por alunos que podem ser alfabetizados seguindo um programa curricular adaptado às suas condições.
Para ser encaminhado a uma classe dessas, o aluno deve ser ou avaliado por uma equipe interdisciplinar da escola ou por um especialista, no caso, um psicólogo.
Entre outros exames, o estudante é submetido a um teste de QI (Quociente de Inteligência). Ao final desse processo, a criança recebe um laudo que diz se ele é incapaz ou deficiente para permanecer em uma classe comum.
"Como verificamos em vários trabalhos realizados, esses laudos têm se tornado nos últimos anos alvo constante de críticas e preocupações entre vários autores, que têm se inquietado com o cotidiano das classes especiais", diz Salazar.
Segundo essas críticas, "o psicólogo, ao realizar suas avaliações e produzir um laudo psicológico em que deverá atestar se a criança está 'apta' ou não a ser encaminhada a uma classe especial, acaba por comprometer esse trabalho ao aceitar, reforçar e endossar de forma não crítica a posição da escola".
"Entendemos que o laudo, além de criar e de estabelecer um processo de 'patologização' das questões educacionais e sociais, gera um outro processo, bem mais sutil e muito mais grave, que facilita ou impõe a internação das crianças em classes especiais".
(FR)

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