São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
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Ecos da dissonância chegam de Santa Cruz

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Os ecos que nos chegam de Santa Cruz de la Sierra trazem a dissonância da fala de Zagallo sobreposta ao pensamento de Dunga.
Para Zagallo, flanamos numa nuvenzinha alva sob céu de anil; para Dunga, um batalhador, há muito que consertar nesse meio-campo e nessa defesa. Neste caso, estou com Dunga: seu recuo junto à zaga foi providencial, mas não resolveu todos os nossos problemas. Ali, Dunga exerce a plenitude de seu futebol, feito de garra, capacidade de destruir e fino senso de orientação, o que, entre outras coisas, permite que os zagueiros trabalhem com a idéia da cobertura, ausente da nossa seleção desde quando Zagallo assumiu sozinho o comando técnico.
Mas Dunga não é o sistema. É apenas uma peça integrante do sistema. Sistema, como bem diz a palavra, é movimento coordenado, constante, repetitivo, automático. Quem estiver por ali deve ter o roteiro decorado na cabeça; agir por reflexo condicionado.
E isso requer muito treinamento, exaustivos ensaios, repetições que levem até a exasperação. É chato, cansativo, mas indispensável.
O nível de intuição e criatividade, que é quase tudo do meio-campo pra frente, reduz-se a quase zero quando se trata de montar a defesa. Tanto, que o brasileiro, por atavismo, jamais aceitou a marcação individual. Seja o atacante, que se irrita, quando a ela é submetido; seja o defensor, que se nega a aplicá-la, antes de tudo por falta de concentração. Por isso, conseguimos desenvolver um esquema de marcação por zona que nem os disciplinados europeus são capazes de reproduzir. Mas, mesmo esse sistema, mais folgado, exige maior aplicação e treinamento do que aqueles que Zagallo tem reservado ao atual time brasileiro.
E o curioso é que Zagallo, quando jogador, era conhecido por ser um "formiguinha", trabalhador incansável dentro de campo. Agora, na beirada, depois de velho, tá virando um Didi, é?
*
O campo, esburacado, parecia ter se derretido sob a chuva incessante, e o jogo já se acabava, sob a tensão do empate com ares de definitivo, depois dos três disparos gremistas à queima-roupa, que Rogério conjurou num sortilégio, quando o menino recebeu a bola na intermediária adversária, pela meia-esquerda. Foi uma arrancada de fundista, bola colada ao pé, dali até o fundo das redes de Danrlei. No rastro, nada menos do que cinco inimigos estirados, incluindo o goleiro. Simplesmente, um gol de Dodô.
*
E o Real levantou a taça, afinal. Graças, sobretudo, ao técnico Capello, que teve sensibilidade para armar o mais harmonioso e hábil meio-campo deste planeta. Nenhum cabeça-de-bagre, nenhum cabeça-de-área. Apenas craques que marcam, sim, mas sabem, acima de tudo, tratar a bichinha com carinho: o argentino Redondo, o holandês Seedorf e esse fenômeno espanhol, o menino Raul.
E ainda anunciam que querem Denílson. Meu Deus!
*
Tudo isso só para salvar o Flu? Por favor, máscara contra gases. Obrigado.

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