São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 1997
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Coalizão dos sem-barriga

JOSÉ SERRA

Apesar das dificuldades que enfrenta no seu funcionamento interno, na sua relação com o Congresso e diante da insatisfação da população em relação à oferta de empregos, o governo Fernando Henrique dispõe, ainda, de boas condições básicas de sustentação política e social. A estabilidade de preços continua sendo valorizada pela população de alta, média e baixa renda. A percepção da honestidade do presidente contribui para impedir que as insatisfações transbordem em movimentos amplos de indignação.
A inflação baixa, que amortece a ciranda reivindicatória e sustenta o valor real dos salários, junto com a relativa insegurança sobre o emprego (devida também às mudanças intersetoriais e regionais), proporciona ao governo uma paz sindical única nos períodos democráticos da história brasileira do após-guerra.
No campo econômico, a bonança externa é a mais espetacular desde os anos 30, a ela se equiparando apenas a da época do milagre delfiniano de 1970-73. Tal bonança garante poupança externa abundante e crescente para financiar nosso consumo (destinação principal) e impedir que a taxa de investimentos escorregue para baixo do nível já baixo herdado da fase da superinflação.
A seu favor o governo tem, ainda, a fragilidade da oposição, um aspecto fascinante da conjuntura brasileira. A oposição permanece apegada à visão do mundo como ele era há três décadas; é prisioneira do corporativismo da área pública; tem ojeriza à política do mundo real e é pautada pelo comportamento do "quanto pior, melhor"; carece de competência técnica (um mal não apenas da oposição, mas, nesse caso, o efeito termina sendo mais grave). Aliás, a boa qualidade de oposição é fundamental em qualquer democracia. A oposição fiscaliza e contribui para definir pautas, balizar comportamentos do governo. No Brasil, isso faz falta.
O governo Fernando Henrique não tem sido, portanto, amaldiçoado pela falta de sorte. Mas o elenco de condições favoráveis, por si só, não garante a continuidade do seu prestígio social e político. Paradoxalmente, funciona também como fator de desmobilização, seja da capacidade executiva do governo, seja da definição mais clara dos seus rumos políticos e administrativos a médio e longo prazos.
O crescimento econômico, satisfatório em relação aos anos da superinflação, mas lento em face da experiência histórica, limita a geração de empregos (o principal fator de insuficiência de empregos não é a badalada globalização, mas o lento crescimento). A instabilidade da base política do governo no Congresso, os vaivéns, o tititi, as frustrações em votações importantes podem terminar fatigando de vez a opinião pública. E a franja mais fisiológica dessa base seria engolida pela direita corrupta, que aguarda, "stand-by", qualquer trinca mais séria no prestígio do governo para lançar-se como alternativa em 1998.
O governo e o melhor das forças que o apóiam deveriam passar a adotar um sadio estrabismo: um olho no presente, outro focado nos cinco anos e meio que a perspectiva da reeleição coloca pela frente. Redefinir seu funcionamento e seu programa de acordo com esse horizonte. Nada mais seria empurrado com a barriga. Seria a coalizão dos sem-barriga.

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