São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 1997
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O médico, o paciente e os planos de saúde

JOÃO EDUARDO CHARLES

A base do exercício da medicina sempre foi calcada na relação direta entre o médico e seu paciente, sem interferências ou restrições. Essa confiança mútua, reforçada pela empatia, é essencial para que se consiga alcançar o objetivo maior da medicina, a cura das doenças que afligem o paciente.
O Código de Ética Médica discute de forma brilhante essa questão em vários artigos dos capítulos 4º e 5º, que tratam, respectivamente, de direitos humanos e relação com pacientes e familiares.
Até um passado recente, os médicos eram profissionais liberais que, ao atender pacientes em seus consultórios, podiam vivenciar essa relação de confiança, pois tinham plena autonomia de seus atos e procedimentos.
O mesmo não acontece hoje, quando a maioria dos médicos passou a ser apenas um elo de um sistema de saúde privado -planos/seguros-saúde, cooperativas e autogestões-, cuja lógica de lucro é a mesma de qualquer outra empresa.
Quando um médico envia um paciente à UTI, pressupõe que este deva permanecer naquela unidade até ter alta médica e não apenas até completar os dias previstos em seu contrato com o plano de saúde. Quando um médico diagnostica uma doença e inicia o tratamento, não deve se preocupar se ela é preexistente ou não ao contrato do paciente com o plano de saúde.
Mais absurdo ainda, o médico que, ao final do exame clínico, decidir solicitar exames não deveria ser obrigado a se limitar àqueles restritos pelo convênio.
Essas situações geram insatisfação de todas as partes. Do lado do médico, há a frustração ao ver sua autonomia limitada, ainda mais após ter aprendido no Código de Ética Médica que "o médico não pode, em qualquer circunstância ou sob qualquer pretexto, renunciar a sua liberdade profissional, devendo evitar que quaisquer restrições ou imposições possam prejudicar a eficácia e correção de seu trabalho" (art. 8º, capítulo 1º).
Acrescentem-se ainda as estafantes jornadas de trabalho a que os médicos têm sido submetidos, ao trabalharem em três ou quatro empregos para conseguir uma remuneração digna.
Do lado do paciente há revolta e indignação ao não ser atendido como deveria. A consequência é a quebra da confiança e da empatia.
Essa é uma realidade que fere frontalmente o exercício ético da medicina e não pode ser escamoteada. É imprescindível um debate amplo, que contemple todos esses aspectos fundamentais para a saúde da população.

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