São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 1997
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O Brasil e o começo do fim da enxurrada neoliberal

ALOYSIO BIONDI

O alarme foi acionado pela mais tradicional revista econômica do mundo, "The Economist". Em ampla reportagem de capa, a publicação levanta uma lebre que merece muita, mas muita reflexão mesmo, principalmente aqui no Brasil.
Com base em vastíssimo levantamento, "The Economist" diz que a "corrida" das montadoras de automóveis, com instalação de fábricas em todo o mundo, é suicida e vai terminar mal -logo.
Os investimentos de dezenas e dezenas de bilhões de dólares programados para aumentar a produção de carros estão criando um quadro em que a oferta vai superar a capacidade de consumo! Vale dizer: haverá fábricas fechadas, projetos suspensos em meio à implantação e cancelamento de investimentos previstos.
Para o Brasil, a concretização desse quadro traçado por "The Economist" terá efeitos em cadeia. O mais imediato: novo agravamento do "rombo" nas contas com o exterior, provocado pelo "escancaramento" do mercado nacional, dentro da filosofia neoliberal. O governo FHC diz que o "rombo" não preocupa porque será coberto por investimentos das multinacionais. Essa fonte tende a secar.
* Suicidas - Governantes e seus economistas, deslumbrados com ciclos de prosperidade, já conduziram a economia e a humanidade a várias crises catastróficas -porque acreditaram que a fase de prosperidade seria, na verdade, eterna e não perceberam que o retrocesso já estava a caminho.
No começo dos anos 70, por exemplo, o mundo presenciou uma fase de euforia, com superinvestimentos em setores como siderurgia, petroquímica, papel e celulose e minérios. Num círculo vicioso, a construção de novas fábricas e usinas aumentava a demanda por produtos e matérias-primas em todas as áreas.
A euforia durou pouco. Em três ou quatro anos, descobriu-se que o mercado não tinha capacidade para consumir a totalidade da produção ofertada pelos novos projetos -e setores inteiros entraram em crise. Hoje, as perspectivas de superinvestimento e saturação na área automobilística são ainda mais preocupantes porque, além dos tradicionais, há dados novos no cenário mundial.
Melhor explicado: a indústria automobilística é a grande consumidora de aço, plástico, alumínio, borracha etc., atuando, portanto, como "motor" para os outros setores. Sua desaceleração, por isso mesmo, vai levar essas áreas de roldão.
E, como dado novo: a enxurrada neoliberal, a "corrida" das múltis para os países que escancararam seu mercado multiplicou o peso da indústria automobilística dentro da economia desses países, como o Brasil. Vale dizer: crises no setor terão um efeito dominó de proporções ainda não avaliadas.
* Há saídas - Não custa nada o governo FHC e a sociedade brasileira acordarem enquanto é tempo. Lado a lado com os superinvestimentos, o modelo neoliberal e sua pretensa "modernização" da economia provocam, também, desemprego crescente. Isto é, perda de poder aquisitivo da população como um todo e estreitamento do mercado -no momento em que era preciso ampliá-lo para absorver o aumento da oferta (de todos os bens).
Pode-se arriscar a hipótese de que a "crise" para o setor automobilístico prevista por "The Economist" é, na verdade, um fenômeno mais profundo, a saber, a primeira evidência clara de que o modelo neoliberal, pelo qual "o mercado resolve tudo", tem componentes suicidas.
Ao desencadear uma "corrida" para a pretensa modernização e ao mesmo tempo desempregar milhões de pessoas, o modelo encerra em si uma grande e básica contradição: destrói o mercado consumidor ao longo do tempo. Fica sem resposta o dilema: produzir melhor, tudo bem. Mas quem é que vai comprar?
No Brasil, a caminhada para a crise pode ser interrompida com a adoção de políticas capazes de criar emprego, renda e, portanto, consumo. Para isso, basta dar prioridade a setores como a agricultura e a construção. E distribuir melhor os incentivos que vêm sendo dados exclusivamente a setores privilegiados, como telecomunicações e indústria automobilística -que, na prática, estão sendo "desempregadores". Mas há urgência na reviravolta. Ou o Brasil vai esperar que Washington, FMI e cia. determinem a correção de rumos?

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