São Paulo, quinta-feira, 19 de junho de 1997
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Somos todos Josés Rainhas

EMIR SADER

O Brasil está condenado a 26 anos de prisão. Ou melhor, nem todo o Brasil. Estão condenados os que lutam pela reforma agrária, os que lutam pela democratização do acesso à terra, os que lutam pelo direito ao trabalho, os que lutam contra a injustiça social.
Nem todos estão condenados. Os que fizeram poços do Dnocs em suas terras não correm esse risco. Tampouco os que acobertam os massacres de camponeses no Pará e em Rondônia, governadores que almoçam com a PM, jantam com os latifundiários e, entre uma e outra coisa, acobertam a impunidade.
Não são sequer objeto da "Justiça" os que, com uma política de juros estratosféricos, triplicaram a dívida do Estado brasileiro em três anos, enquanto levam a que faltem vacinas controladas em centros de saúde que protejam e não coloquem em risco as crianças.
Estão absolvidos os que consideram que tudo pode fechar no país -fábricas, lojas, hospitais, escolas-, menos os bancos, e, por isso, destinam mais dinheiro ao Proer do que à saúde.
Nenhuma acusação pesa sobre políticos responsáveis pela compra de votos que tornou o presidente atual reelegível e deu início à campanha eleitoral do ano que vem no meio do mandato atual.
Nem seria de esperar que fossem levados às barras dos tribunais os responsáveis pelo índice de 60 crianças mortas por cada 1.000, quase todas de doenças curáveis. Menos ainda os responsáveis pelo retorno de doenças de que o país já se havia livrado várias décadas atrás.
Nada a objetar sobre ministros da "Justiça" cujas primeiras palavras são, diante da execução de sem-casa pela PM de São Paulo, que às vezes o assassinato é inevitável. Ou sobre governadores que contribuem ativamente para a banalização das execuções de sua PM, financiada com os impostos pagos pela sociedade para protegê-la e não para atirar impunemente sobre ela.
O país está em liberdade condicional porque foi condenado a pena superior a 20 anos e, por isso, tem direito a novo julgamento. Se até lá a cidadania não se levantar com toda a força moral que tem dentro de si para resgatar a justiça e a ética social, o Brasil está cometendo um haraquiri moral.
Ou somos todos Josés Rainhas e somos capazes de "tremer de indignação cada vez que se comete uma injustiça", ou merecemos o país mais injusto do mundo que somos e que legaremos, cobertos de vergonha, a nossos filhos.
Nesse caso, poderemos repetir o que disse Violeta Parra de seu país: o Brasil se limita ao centro com a injustiça.

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