São Paulo, sexta-feira, 20 de junho de 1997
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Os nobres da corte

JANIO DE FREITAS

Dias de vitórias grandiosas, mas não identificadas como tais pelo noticiário, que enveredou pelo atalho do reencontro de Fernando Henrique Cardoso e Maluf. Vitórias de aparência, às vezes, mais pessoal, outras de alcance aparentemente muito extensivo, mas, na verdade, todas voltadas para a própria corte governista.
O destaque à aprovação da Lei Geral das Comunicações, por exemplo, tratou-a como se fosse, apenas, mais um dos projetos do governo aprovados pelos deputados governistas. É uma aprovação muito especial, porém. A nova lei contém novidades que, em tempos apenas um pouco mais sóbrios, dariam em escândalo capaz de despejar do cenário um bom punhado de ministros e parlamentares.
A nova lei criou, entre outras inovações muito típicas da atualidade governamental, um maná administrativo idêntico ao que há no Ministério das Comunicações, mas ofertando possibilidades de aproveitá-lo a muito mais pessoas do que um ministro e um presidente da República. Os dirigentes da tal agência terão em mãos o controle das atividades de telecomunicações e de cada empresa a elas dedicada, porém dispensados das aprovações do Congresso até agora necessárias. Serão autônomos e com cinco anos de mandato para o que der e vier. Em geral, nesse gênero de entidade e sobretudo na área de telecomunicações, quase sempre é só para o que der. Ou quem der.
A criação da agência não diz tudo sobre a nova lei. Ainda assim, basta para explicar a exultante celebração comandada no plenário da Câmara pelo líder do PFL, Inocêncio Oliveira. Comandante, também, de outra vitória muito ilustrativa. Foi a recusa, pela Comissão de Constituição e Justiça, da licença para que o deputado Sérgio Barcellos seja processado. O parecer do deputado fluminense Alexandre Cardoso considerou a licença indispensável: Sérgio Barcellos é acusado, com fartas provas, de mandante dos sequestros, espancamentos, tentativas de homicídio e cárcere privado de dois vereadores em Macapá, Amapá. No sequestro foi usado o próprio carro de Sérgio Barcellos.
Sérgio Barcellos integra a corte governista, no entanto. E não em uma bancada subalterna, como a do PSDB. É do PFL. Antes da votação na CCJ, Inocêncio Oliveira foi em pessoa advertir os pefelistas de que o partido não admitia voto pró-licença, nem abstenção ou ausência. Vilmar Rocha, do PFL de Goiás, ficou incumbido de policiar os outros pefelistas. Nem era necessário, claro. E o PPB não faltou com sua solidariedade de integrante da corte governista: 31 votos, contra 14, asseguraram que deputados podem sequestrar, espancar e tentar o assassinato impunemente -desde que integrantes da corte governista.
Essa Comissão de Constituição e Justiça é a tal que a corte governista encarregou de investigar a compra de votos da reeleição por Sérgio Motta e outros especialistas do ramo monetário da política. Assim como Justiça, no seu nome, não quer dizer Justiça, investigar também é uma palavra que pode ter significados inúmeros, como trapaça, conto-do-vigário, palhaçada, malversação de recursos públicos e por aí afora.
Haveria outras vitórias recentes a citar, não fosse a amplitude simbólica da aprovação, por 274 votos da corte governista, do relatório em que Benedito de Lyra, do PFL de Alagoas, propôs a absolvição do colega Marquinho Chedid, acusado de chantagear e extorquir donos de bingos.
A corte governista não se abala com as notícias sobre suas desavenças: é unida acima de tudo, inclusive do crime.

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