São Paulo, sábado, 21 de junho de 1997
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Igualdade e respeito à diferença

SILVIA PIMENTEL

"As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza, e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza."
Esta frase de Boaventura de Sousa Santos expressa bem a crença subjacente a minha posição quanto à união civil ou parceria de homossexuais.
Estamos às vésperas do cinquentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Nestas quase cinco décadas presenciamos, conforme ressalta Norberto Bobbio, processo de especificação e de determinação de novos sujeitos titulares de direitos.
Para tanto têm contribuído os movimentos sociais, responsáveis por importantes avanços na conceituação desses novos direitos. Vale ressaltar a Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada consensualmente em plenário pela Conferência Mundial de Direitos Humanos, em 1993, e o recente Plano Nacional de Direitos Humanos, criado no Brasil em 1996.
Este último, já em sua introdução, afirma que esses direitos são de todos, entendendo por "todos" um elenco que contempla os homossexuais. Vai além e, de uma forma clara e muito bela, afirma tratar-se de direito fundamental, "direito de pensar, de ser, de crer, de se manifestar ou de amar sem se tornar alvo de humilhação, discriminação ou perseguição. É o direito que garante existência digna a qualquer pessoa".
Pois bem. O projeto de lei da deputada Marta Suplicy pretende garantir os direitos de cidadania aos casais homossexuais. Regula direitos à propriedade, à sucessão, benefícios previdenciários, direito de curatela em caso de incapacidade civil de um dos contratantes, impenhorabilidade do imóvel comum dos contratantes destinado à residência, direito de nacionalidade e outros.
Importa esclarecer que não se trata de união matrimonial. Esse contrato não altera o estado civil dos contratantes e só poderá ser realizado entre pessoas que não estejam casadas. Também não se pode estabelecer contrato de união civil simultaneamente com mais de uma pessoa ou vir a casar-se com outra no período de vigência do contrato.
Como a própria autora do projeto lembra, a homossexualidade é fato presente desde as sociedades mais antigas, e a intenção não é incitá-la, mas sim respeitá-la, buscando instrumento jurídico que a permita sair da clandestinidade.
Retomando frase inicial, eu diria: os homossexuais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes dos padrões hegemônicos quando a igualdade os descaracteriza.
Eis o maior desafio: compor o princípio da igualdade com o respeito à diferença. Para enfrentá-lo, impõem-se o exercício da tolerância e a compreensão da diversidade. Tão difíceis às vezes, é verdade, mas tão necessários se o que se pretende é construir um mundo melhor!

E-mail: lela@acs.com.br

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