São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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Caixa de Pandora

OSIRIS LOPES FILHO

O jornalismo investigativo da Rede Globo denunciou ao país, nesta semana que finda, a existência de importações ilegais, feitas a bordo de navios de nossa Marinha de Guerra, por seus tripulantes.
O fato revela muitas coisas. De início, o escândalo de veículo militar ser utilizado para práticas ilegais. Além disso, é espantoso que servidores militares, doutrinados nos princípios da ordem e da disciplina, e educados para o cumprimento do dever, utilizem-se de uma missão no exterior para introduzir ilegalmente mercadorias no país, fora do controle alfandegário.
Pretendeu-se invocar a lei nº 4.731/65, para excepcionar tais importações. Essa lei refere-se à dispensa do regime de licença-prévia e de visto consular para os produtos, bens, materiais e equipamentos militares importados.
Nada tem a ver com dispensa de pagamento de impostos, por militares que voltem de viagem ao exterior.
O decreto-lei nº 37/66, em seu art. 43, já deixava claro que os veículos militares utilizados no transporte de mercadorias teriam o mesmo tratamento dos civis. Vale dizer, todos têm de submeter-se ao controle da Alfândega.
Esse fato, que compromete a reputação da Marinha, é um sinal dos tempos atuais. O governo federal luta para aprovar no Congresso uma reforma administrativa paupérrima que denominou de "Reforma do Estado". Mas no dia-a-dia não cuida de cumprir as leis a que está vinculado, nem de dar à administração pública a necessária integração e eficácia.
Marinha e Receita Federal, no caso, parecem ser dois feudos isolados e incomunicáveis na estrutura federal. Falta a solidariedade sistêmica.
Como sempre, ignora-se a Constituição que, em seu art. 37, XVIII, dispõe que "a administração tributária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos".
Pode ser que o episódio esteja a revelar uma consequência nefasta da ausência de reajuste salarial dos servidores públicos, por mais de dois anos. Submetidos a arrocho salarial, os servidores e suas chefias passaram a ser mais complacentes no cumprimento do dever, e partiram em busca de fontes alternativas de renda.
Eis aí uma advertência às autoridades que estão a erodir as bases do serviço público brasileiro, condenando ao definhamento o seu agente, por excelência, o servidor público.

Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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