São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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O baixo astral nacional

LUÍS NASSIF

O atual baixo astral nacional está ancorado em razões bastante objetivas. Há um contingente cada vez maior de setores perdendo com a atual conjuntura econômica, e nem governo nem mídia estão conseguindo passar à opinião pública uma perspectiva de futuro favorável.
No início do Real, jogou-se irresponsavelmente com o câmbio para criar a falsa sensação de bem-estar que garantiu as eleições presidenciais.
Perderam alguns setores mais expostos à concorrência internacional.
Mas, com exceção da agricultura, os demais não sofreram de maneira aguda, dado que a explosão do consumo garantiu aumentos de vendas gerais.
No ano seguinte, a mistura de políticas cambial e monetária começou a empilhar vítimas.
Agricultores, pequenos empresários sem acesso a crédito, pessoas físicas escoradas nos cheques especiais e todos os setores que haviam se endividado no ano anterior.
Dois outros setores vieram se somar ao enorme exército de insatisfeitos: os funcionários públicos, sem reajuste há dois anos, e o enorme contingente de desempregados que passaram a viver de bicos nos grandes centros.
A inadimplência de 1995 foi postergada, no processo de renegociação das dívidas e através de práticas quase suicidas do comércio, como cheques pré-datados com até 40 dias de prazo.
Para que a roda fechasse, havia a necessidade de uma recuperação da atividade econômica que permitisse às empresas e pessoas físicas em dificuldade recompor sua renda, não apenas para obter equilíbrio operacional, mas para bancar o passado.
A partir do segundo trimestre do ano, quando a atividade econômica começou a refluir, a bicicleta parou de rodar.
Os índices de inadimplência cresceram e voltarão a crescer mais ainda nos próximos meses.
Como os pequenos são consumidores dos grandes, o efeito seguinte será essas dificuldades extravasarem para as grandes empresas.
Estatísticas e realidade
Os números sobre desemprego não são agudos. Mas quem se dispuser a visitar a periferia dos grandes centros vai notar uma realidade de crise que se espraia em todas as direções.
Há enorme proliferação de escolas e lojas de vídeo de fundo de quintal, instaladas com a indenização do último emprego perdido.
Esses bicos dão uma renda insuficiente para os novo microempresários e provocam competição predatória com as escolas e lojas já instaladas.
Dessa maneira, o processo inicial de desemprego industrial vai interferindo em outras atividades de serviço, espalhando a crise por todos os lados.
Norte e Nordeste estão livres desse clima. Por lá, há quase um sentimento de euforia, decorrente do fluxo de investimentos do Centro-Sul, que está se deslocando, atraído por incentivos fiscais e mão-de-obra barata.
Mas o peso da opinião pública concentra-se no Centro-Sul. E o clima de desalento é majoritário em São Paulo, Rio e Belo Horizonte.
Fatores psicossociais
É aí que entram os fatores psicossociais. A maneira de se driblar crises tópicas de confiança é acenar com as perspectivas de futuro.
Há um enorme contingente de obras e transformações que estão sendo realizadas, e que inevitavelmente irão afetar positivamente a realidade econômica.
Nos próximos meses terá início a privatização dos setores elétrico e de telecomunicações. Há um conjunto de investimentos sendo realizados nas áreas de transporte, especialmente o ferroviário. E leis relevantes que, sendo aprovadas, ajudarão a estimular a manutenção dos investimentos estrangeiros.
Mas, na outra ponta, há um sem-número de fatores negativos, que estão prevalecendo. Alguns, dependem do Executivo -como a demora em atacar em algumas frentes fundamentais, especialmente a passividade demonstrada diante da deterioração das contas externas, e a manutenção de taxas de crédito abusivas.
Outras fazem parte desse clima confuso que se instalou no país, no bojo das denúncias que dominaram a cena política nos últimos meses. A falta de resposta objetiva às denúncias logrou novamente ressuscitar as dúvidas seculares em relação à eficiência das instituições, desmoralizar praticamente todos os partidos políticos e desmontar as tentativas de pacto nacional que vinham sendo esboçadas a partir da aprovação da emenda da reeleição.
Mudança de postura
Está tudo perdido? É evidente que não. Há elementos objetivos para se reverter esse clima, mas desde que haja suficiente sensibilidade por parte das autoridades para atacar diretamente as causas desse pessimismo generalizado.
Numa ponta, há uma série de eventos próximos, cuja relevância precisa ser passada claramente ao país.
Na outra, o governo tem que demonstrar decisão no ataque às fragilidades do Real. Assim como o pênalti, a questão externa é tão relevante que precisa virar prioridade do próprio presidente da República.
O presidente tem preparado "papers" clássicos sobre o futuro da humanidade, nos discursos apresentados às platéias internacionais. Isso, o "scholar" FHC faria também.
Papel de presidente, mesmo, é identificar os grandes problemas nacionais, e interferir diretamente no estado psicológico da nação, brandindo com as armas do discurso presidencial.
Mas, aparentemente, é desafio que o intelectual FHC ainda não está preparado para encarar.

Email: lnassif@uol.com.br

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