São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997
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A saúva e a burocracia

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Contaram-me, em Brasília, a história do burocrata que, antes de limpar sua mesa e jogar fora os papéis imprestáveis, xerografa tudo. Essa doença -a "burocratite"- é muito comum no planalto central. Ela não tem nada a ver com o clima ou a altitude do local, tendo ali se espalhado depois da chegada da capital federal. Foi trazida pelos burocratas.
Os governos vivem anunciando o extermínio da burocratite. Chegaram a criar um órgão burocrático para acabar com a burocracia: o Ministério da Desburocratização. Mas, de lá para cá, o Brasil só mudou o discurso. A burocratite continuou disseminada de forma epidêmica.
Para abrir uma empresa nos Estados Unidos gastam-se cinco dias. No Brasil, um mês e meio -e, mesmo assim, com a ajuda de um bom despachante.
Esta é a terra dos obstáculos burocráticos. Quem exporta conhece o alucinante papelório exigido pelas leis, regulamentos e funcionários. Os que já desembaraçaram alguma coisa da alfândega (vejam o verbo: desembaraçar!) pagaram pelos pecados de várias gerações. Conseguir uma cirurgia pelo SUS é um martírio intolerável. Obter uma contagem de tempo para fins de aposentadoria é um trauma inesquecível.
Tudo isso consome tempo, energia, trabalho, papéis, funcionários -ou seja, custa dinheiro. A burocratite é uma doença cara. Teoricamente, deveria atacar só os ricos. Mas ela castiga mais os pobres. São eles que ficam sem empregos, sem saúde, sem educação e sem os demais serviços que deveriam ser prestados pelo Estado. Esse Estado que faliu e deixou como espólio um pavoroso estoque de regulamentos a serviço dos mais variados tipos de corporativismo.
Não se trata de ter ou não ter regulamentação -mas sim de possuir uma boa regulamentação.
O que é isso? A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), preocupada com a inflação de maus regulamentos em muitas partes do mundo, dá as seguintes sugestões aos legisladores: 1) defina bem o problema a ser controlado; 2) entenda as necessidades dos usuários antes de regular suas vidas; 3) examine se a ação governamental é a melhor forma de controle; 4) nunca se esqueça dos controles (naturais) do mercado; 5) identifique qual é o melhor nível de regulamentação; 6) demonstre que os benefícios da regulamentação superarão os seus custos; 7) faça uma regulamentação simples, compreensível, transparente, consistente e acessível aos usuários.
Parece-me que essa lista é de utilidade não só para formular novos regulamentos como também para rever os existentes. No caso do Brasil, ouso levantar a hipótese de que, depois de submetido ao rigor de tais indicadores, o estoque de regulamentos se reduziria a menos da metade.
O Brasil é um país de muita lei e pouca obediência exatamente porque a maioria dos regulamentos é complexa, incompreensível, obscura, inconsistente, inacessível e cara para os usuários. Está na hora de simplificarmos a parafernália burocrática para pensar em jogar o jogo da competição -nacional e internacional.
Na minha juventude, a saúva foi a mais perigosa praga que abateu as lavouras do Brasil. Hoje é a burocracia. Os tempos mudaram... Mas o ditado continua válido: ou o Brasil acaba com a burocracia ou a burocracia acaba com o Brasil.

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