São Paulo, sexta-feira, 27 de junho de 1997![]() |
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O câmbio e a aposta de 98
CELSO PINTO A aposta do governo para controlar o nervosismo dos mercados com as contas externas brasileiras, daqui até as eleições presidenciais, está cada vez mais clara.O diretor do Banco Central, Francisco Lopes, bota suas fichas na combinação de três fatores: uma política de desvalorização cambial um pouco acima da inflação, manutenção de um alto nível de reservas aproveitando o mercado externo e uma deterioração mais lenta no déficit externo. Lopes admite que o câmbio real está valorizado. Acha, contudo, que será possível recompor a competitividade cambial gradualmente, ao longo dos próximos quatro ou cinco anos, sem recorrer a uma maxidesvalorização. A razão é que, pela primeira vez, desde o início do Plano Real, os preços do custo de vida estão correndo junto com os do atacado. No custo de vida, estão embutidos os preços dos serviços e os salários, que dispararam no início do plano e que, agora, vão perder terreno. O câmbio, até recentemente, vinha refletindo os preços por atacado. Como o custo de vida corria muito acima, não só o preço dos importados ficava barato como a competitividade das exportações ficava prejudicada. Com a convergência dos índices, a desvalorização cambial já colou, ou até superou, o custo de vida. Por exemplo: enquanto o câmbio foi desvalorizado em 7,3% nos 12 meses que terminaram em maio, o INPC subiu 6,9%, e o custo de vida da Fipe, 7,1%. Lopes diz que o INPC pode cair abaixo de 6% nos 12 meses que se encerrarão em julho e deixa claro que a intenção do governo é manter a desvalorização cambial no mesmo ritmo atual, ou seja, em torno de 7% ao ano. Além do ganho de 1% da desvalorização em relação à inflação, existe um ganho pelo não desconto da inflação dos parceiros comerciais brasileiros, algo entre 2% e 3% ao ano (a inflação, lá fora, encarece os produtos que competem com os brasileiros). O diretor do BC deixa claro que a intenção do governo é manter esse tipo de ganho no câmbio real nos próximos anos, o que é a primeira indicação explícita de alguém do governo nesse sentido. Em quatro ou cinco anos, ganhando uns 4% a 5% ao ano, estaria eliminada a defasagem no câmbio real acumulada desde o início do Plano Real, ou boa parte dela. Isso não significa, necessariamente, acelerar as desvalorizações. Como os índices de custo de vida estão caindo, bastaria o governo manter o ritmo atual de desvalorização cambial (podendo até desacelerá-lo um pouco no futuro) que, ainda assim, haveria um ganho relativo. Uma das implicações de uma política desse tipo é que não seria possível baixar muito os juros, para manter a atratividade na entrada de dólares, apesar da desvalorização mais forte. E não há dúvida de que o governo vai tentar atrair dólares suficientes para manter as reservas nos níveis os mais altos possíveis. A decisão de quarta-feira do Conselho Monetário Nacional é um forte exemplo. Ao permitir que os bancos contratem empréstimos lá fora (a um custo, para grandes bancos, de 8% ou 9% ao ano) e apliquem o dinheiro em NTNs cambiais (rendendo, hoje, mais de 11% ao ano), o governo criou um enorme incentivo à entrada de dólares. Mesmo que a maior demanda por NTNs reduza sua rentabilidade, o que é esperado, aplicar em NTN transfere o risco cambial para o governo. Não seria surpresa ver o governo se endividando mais em dólares (emitindo NTNs), no futuro, dobrando sua aposta de que não vai fazer uma máxi (caso contrário, o maior prejudicado seria o governo). Lopes aposta que, se o mercado se convencer de que uma política de ganhos graduais no câmbio poderá levar a contas mais equilibradas no futuro, poderá aceitar melhor o desequilíbrio no presente. Além disso, ele espera que haja um ganho, em termos de expectativas, por uma razão estatística. O primeiro semestre do ano passado foi de déficits externos relativamente pequenos: eles deram um salto no segundo semestre. Por essa razão, olhando o déficit da balança comercial em 12 meses, há um salto no início deste ano, porque a base de comparação é baixa. De fato, o déficit comercial anual pulou de US$ 5,5 bilhões em dezembro último para US$ 9,8 bilhões em maio, uma diferença de US$ 4,4 bilhões em apenas cinco meses. Lopes diz que o nervosismo do mercado veio da velocidade da deterioração dos números. Daqui para a frente, o cenário muda. Já neste mês, se o déficit comercial ficar em torno de US$ 300 milhões, o buraco em 12 meses não mudará. Mesmo que o déficit comercial chegue a US$ 12 bilhões até dezembro, como muitos prevêem, seria um salto mais palatável, de US$ 2,2 bilhões, em sete meses. Lopes imagina que esse efeito estatístico tende a acalmar o mercado. Ele pode estar correto, mas isso supõe, também, uma certa acomodação no nível de importações. Se essa acomodação não acontecer, a preocupação não vai desaparecer. Nessa área, ele conta com a ajuda do encarecimento das importações provocado pela desvalorização cambial algo superior à inflação. Os estudos mostram que a demanda por importações, principalmente, são muito sensíveis ao preço: quanto mais baratas, maior a demanda. A médio prazo, talvez em quatro ou cinco anos, mais importante do que o câmbio real para a sustentabilidade das contas externas, segundo Lopes, serão os ganhos de produtividade nas exportações e a demanda do mercado mundial. O que depende da continuidade das reformas econômicas. O crucial, a curto prazo, é que o mercado se convença de que esse equilíbrio será possível no futuro. Sem essa confiança, fica mais difícil financiar a transição. E as dúvidas tendem a crescer com a eleição presidencial de 98. Também está claro que uma estratégia desse tipo supõe que o crescimento será o possível num país com juros altos e constrangido pelo desequilíbrio nas contas externas. Uns 3% a 4% ao ano. "É quase um almoço grátis, se esse for o preço para assegurar a estabilização", argumenta Lopes. No fundo, o que está em jogo, a seu ver, é se é possível ou não ter uma estabilidade de preços duradoura no Brasil. Na autodefinição recente do presidente, de que ele é uma mistura entre Campos Salles (que fez a estabilidade) e JK (desenvolvimentista), Lopes acha que FHC gastará boa parte de seu eventual segundo mandato ainda na pele de Campos Salles. E-mail: CelPinto@uol.com.br Texto Anterior: PSDB critica FHC por ceder à pressão do PFL na Suframa Próximo Texto: Temer pede apuração contra deputados Índice |
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