São Paulo, sábado, 28 de junho de 1997
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Vargas Llosa faz apologia do erotismo

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O erotismo como último refúgio do indivíduo contra a padronização da vida e do pensamento imposta pela sociedade de massas -esse é o tema do novo romance de Mario Vargas Llosa, "Los Cuadernos de Don Rigoberto".
Lançado em maio, o livro do escritor peruano permanece entre os mais vendidos na Espanha e em diversos países da América Latina.
Don Rigoberto, gerente de uma companhia de seguros, é um secreto cultor do erotismo.
Durante as noites, encerra-se em sua biblioteca e se entrega a seus "cadernos", onde anota suas fantasias, transcreve trechos de livros, comenta obras de arte, escreve cartas (nunca enviadas) aos destinatários mais diversos.
Quando começa o romance, don Rigoberto está separado da mulher, Lucrécia, por conta de uma crise doméstica digna de Nelson Rodrigues: descobriu o caso entre ela e o enteado adolescente, Fonchito, filho do primeiro casamento do protagonista.
Anticoletivismo
Para complicar, o garoto -que estuda pintura e é obcecado pela figura do pintor austríaco Egon Schiele- engendra agora um estratagema maquiavélico para reconciliar pai e madrasta.
Vargas Llosa constrói o romance alternando três planos: o da narração "direta" dos eventos envolvendo Lucrécia, Fonchito e Rigoberto; o das fantasias do protagonista, em que ele e a mulher protagonizam as cenas eróticas mais extravagantes; e o das cartas não enviadas de Rigoberto, redigidas em tom de manifestos em defesa da imaginação erótica.
Essas cartas -escritas a destinatários como o presidente do Rotary, uma líder feminista, um leitor da "Playboy", um burocrata etc.- configuram um componente quase ensaístico do livro de Mário Vargas Llosa.
Nelas é possível encontrar muitas das idéias do próprio autor, sobretudo seu feroz anticoletivismo, sua defesa militante da liberdade individual.
Ironicamente, porém, a estandardização do comportamento e a vulgarização do desejo, pragas que suscitam a ira de Rigoberto, são subprodutos do todo-poderoso "mercado", que o escritor peruano Mário Vargas Llosa defende com tanto empenho. Mas isso não vem ao caso.
Tradição filosófica
O importante é que, nos cadernos de don Rigoberto, em suas diatribes e em suas fantasias, desenham-se uma estética e uma ética do erótico, com a ajuda de referências a toda uma tradição filosófica, literária e pictórica de exaltação do desejo em suas formas mais livres e anticonvencionais.
O problema, em "Los Cuadernos de Don Rigoberto", é que essa disposição libertária não é acompanhada por uma forma igualmente livre.
Como em outros romances de Vargas Llosa (como "Tia Julia e o Escrevinhador"), o autor -exímio narrador, ninguém nega- engendra uma estrutura engenhosa para logo convertê-la numa prisão, rígida e previsível. A forma torna-se fôrma, em suma.
Estímulo
Assim, nos "Cuadernos", todos os capítulos são montados do mesmo modo: primeiro, a história de Fonchito/Lucrécia, em seguida uma carta/manifesto de Rigoberto, depois uma fantasia do protagonista, por último as cartas anônimas que podem ser ou não de Rigoberto e Lucrécia.
O que começa como um jogo estimulante acaba por ceder a uma certa redundância e previsibilidade. Apesar disso, é uma obra de fôlego e imaginação admiráveis.
Se não chega a agir como um afrodisíaco, está longe de ser broxante.

Livro: Los Cuadernos de Don Rigoberto
Autor: Mario Vargas Llosa
Lançamento: Alfaguara (Espanha)
Quanto: R$ 45,00 (384 págs.)
Onde encontrar: livraria Letraviva (av. Rebouças, 1.986, São Paulo, tel. 011/280-7992)

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