São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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Plano enfrenta críticas e ações judiciais

XICO SÁ; IRINEU MACHADO; PAULO MOTA; ELVIRA LOBATO; JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL, DA AGÊNCIA FOLHA E DA SUCURSAL DO RIO

Entre os projetos selecionados pelo programa "Brasil em Ação", há obras que estão sendo investigadas pela Justiça e obras que são questionadas e criticadas por órgãos do próprio governo.
O pacote também inclui obras que foram usadas na barganha política da reeleição e obras que se arrastam há anos, produzindo um fenômeno muito brasileiro, o da multiplicação de custos.
Abaixo, um levantamento feito pela Folha de dez obras priorizadas no "Brasil em Ação":
A mais irregular
As obras da BR-364, no Acre, contêm o maior número de irregularidades já apontados recentemente pelo Ministério Público Federal em construções do gênero.
A Folha teve acesso a documentos que mostram um vasto histórico de fraudes: do armazenamento de cimento à ilegalidade do contrato, passando pela falta de estudos de impacto ambiental, só obtido após o início dos serviços.
Relacionada como moeda de troca no escândalo da reeleição, a rodovia reúne ainda interesses financeiros do governador do Acre, Orleir Cameli (sem partido), e de amigos do governador Amazonino Mendes (PFL-AM), ambos envolvidos no caso da compra de votos de deputados.
Segundo denúncia da Procuradoria da República no Acre, uma cadeia de fraudes envolvendo a obra acabou beneficiando as empresas de Cameli e sua família.
Todas as máquinas utilizadas na rodovia pertencem à construtora Marmud Cameli. O transporte de cimento (10 mil toneladas) e combustível (3.824.383 kg de óleo diesel) é feito pela Conave, também da família do governador.
O fornecimento de asfalto também é de responsabilidade da empreiteira Marmud Cameli.
Até o combustível utilizado nas máquinas e veículos da empreiteira Emsa -contratada oficialmente para tocar as obras da estrada em dois trechos- é vendido pelos postos da rede Cameli Comercial e Distribuidora.
São os engenheiros das empresas do governador do Acre e da sua família que comandam a construção. Os funcionários da Marmud Cameli também foram transferidos para a Emsa.
Os dois trechos tocados pela Emsa totalizam 124 km e têm contratos que somam R$ 41,3 milhões.
Conexão Collor-PC
As empreiteiras responsáveis pelas obras da hidrelétrica de Xingó estão sendo questionadas na Justiça pelo próprio governo.
A Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco), estatal controlada pelo governo federal, entrou com uma ação jurídica para pedir a devolução de R$ 420 milhões que foram pagos a mais ao consórcio Xingó, formado pela CBPO (grupo Odebrecht), Mendes Júnior e Constran.
As empreiteiras foram beneficiadas, segundo a atual diretoria da Chesf, no governo Collor (1990-92), quando conseguiram modificar as condições de reajustes dos pagamentos depois de já realizada a licitação.
Seria a mesma coisa, segundo especialistas em concorrências públicas do próprio governo federal, que alterar as regras de um jogo em pleno andamento da partida.
Com um orçamento inicial de US$ 1,8 bilhão, a hidrelétrica acabou consumindo R$ 3,1 bilhões.
As empreiteiras são acusadas pelo Ministério Público Federal de conluio com o esquema PC Farias no caso da construção de Xingó.
Nos seus depoimentos à Polícia Federal, diretores das construtoras negaram o envolvimento.
Asfalto e reeleição
As obras de pavimentação da rodovia BR-174, que interliga Amazonas e Roraima com a Venezuela, provocaram momentos de indisposição de parlamentares do PPB com seu líder, Paulo Maluf, ex-prefeito de São Paulo.
Promessa de campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso e reivindicação antiga de políticos e empresários de Roraima e Amazonas, a pavimentação da rodovia, que abre um corredor entre a Zona Franca de Manaus, a Venezuela e o Caribe, pesou forte nos acordos para aprovação da emenda que permite a reeleição do presidente da República.
O chamado "bloco do Norte" -grupo de deputados que atuam em conjunto em lobbies e votação de projetos de interesse dos sete Estados da região- votou pela reeleição em fevereiro.
O PPB congrega 19 dos 71 deputados do Norte. Contra a vontade de Maluf, a maioria dos pepebistas do bloco "fechou" com FHC.
"Houve um desconforto com Maluf, hoje já superado, mas nos sentimos impossibilitados de votar contra o presidente", disse Alceste Almeida, um dos quatro deputados do PPB de Roraima que votaram pela reeleição depois de reunião em que FHC prometeu liberação de verbas para a conclusão da rodovia.
Os quatro se reuniram com FHC no dia 28, véspera da votação da reeleição. No dia seguinte, o governo federal assinou um convênio de financiamento de R$ 168 milhões com a CAF (Corporação Andina de Fomento) para a obra.
No Amazonas, a Procuradoria da República investiga denúncia de que a empreiteira Marmud Cameli, da família do governador do Acre, Orleir Cameli, foi beneficiada com a obra. O governo do Estado está pagando R$ 6,2 milhões à empreiteira pela pavimentação dos kms 0 a 45, mas 9 quilômetros já estavam pavimentados, segundo o DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem).
Hidrovia atolada
O governo não conseguirá, até 1998, diminuir em 5.000 quilômetros o trajeto que separa os produtores de soja do Centro-Oeste dos portos da Europa do Norte e do Japão. A Hidrovia Araguaia-Tocantins atolou em dois obstáculos.
O primeiro deles vem da própria área oficial. O Ibama, órgão de proteção ao meio ambiente, rejeitou o Eia/Rima (estudo ambiental) que o Ministério dos Transportes preparou em novembro último sobre o impacto da obra.
O estudo está sendo refeito. Mobiliza 35 técnicos. Eles devem provar que não serão afetadas 34 comunidades indígenas (13.300 pessoas) e dez áreas de preservação que os dois rios atravessam.
O segundo obstáculo: a Justiça Federal de Mato Grosso embargou a hidrovia no dia 16, a pedido do Instituto Socioambiental. Não foi obtida a autorização do Congresso -exigida pela Constituição- para o aproveitamento de recursos hídricos em áreas indígenas.
Para funcionar entre Nova Xavantina, no rio das Mortes, até o norte de Tocantins ou já no Pará, onde a carga seria transbordada para as ferrovias Norte-Sul ou Carajás, são necessárias obras de sinalização, balizamento com bóias, dragagem e desrocamento.
Está tudo ainda por fazer. A hidrovia atravessa 228 municípios e poderá transportar, por ano, 60 milhões de toneladas de grãos. O custo do frete é quase um quarto do cobrado pelo caminhão.
Porto tucano
A construção de um complexo portuário em Pecém (45 km a oeste de Fortaleza) é vista pelos Estados vizinhos como um favorecimento de FHC ao governador cearense, Tasso Jereissati (PSDB).
Orçado em R$ 400 milhões, o complexo prevê a construção de um terminal para cargas pesadas, além da infra-estrutura necessária para a instalação de indústrias no setor de siderurgia e metalurgia.
A âncora do investimento é uma siderúrgica orçada em R$ 800 milhões e controlada por um consórcio entre a Vale do Rio do Doce e o grupo Vicunha. O consórcio foi formado em julho de 96, quando a Vale ainda era estatal. Hoje, o grupo Vicunha controla a Vale.
O presidente da Codomar (Companhia Docas do Maranhão), Washington Viegas, diz que a matéria-prima a ser utilizada na siderúrgica é extraída em Carajás (PA), área que está muito mais próxima do Maranhão que do Ceará. Além disso, há uma ferrovia que liga Carajás a São Luís.
Viegas também lembra que São Luís já possui um porto apropriado para tráfego de cargas pesadas.
O sub-secretário de Transportes do Ceará, Luís Eduardo Morais, nega o favorecimento. O complexo portuário, diz, surgiu como necessidade do processo de crescimento econômico do Estado.
Ferrovia "privada"
Sempre anunciada como um arrojado projeto da iniciativa privada, a Ferronorte vai ter um investimento de R$ 550 milhões, entre recursos federais e do governo do Estado de São Paulo.
O volume de dinheiro público é superior a tudo que o Grupo Itamarati investiu até hoje no projeto -cerca de R$ 400 milhões, sendo a maior parte (R$ 230 milhões) financiada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Conhecida também como Ferrovia da Soja, a Ferronorte foi uma iniciativa do empresário Olacyr de Moraes, produtor agrícola na região Centro-Oeste, principal área a ser beneficiada com a obra.
A Ferronorte terá 311 km, do Mato Grosso do Sul a São Paulo. A ligação entre os dois Estados será feita por uma ponte rodoferroviária sobre o rio Paraná.
Com 2,6 km, a ponte será construída com dinheiro dos governos federal e paulista.
A obra, sob responsabilidade da Constran (empresa de Olacyr de Moraes), passa no momento por uma auditoria do TCE (Tribunal de Contas do Estado), que examina possíveis irregularidades na construção, como a mudança no projeto original da ponte.
A ferrovia, segundo o Ministério dos Transportes, vai resultar em uma economia de R$ 200 milhões ao ano com gastos de transportes da produção agrícola do Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O grupo Itamarati prevê concluir a ferrovia em 98. O investimento total do projeto, segundo o Ministério do Planejamento, é de R$ 1,327 bilhão. No pacote de recursos que vai receber agora, R$ 227 saem do governo federal e R$ 327 milhões, de São Paulo.
Prédio vazio
O primeiro dos 28 edifícios que vão formar o teleporto do Rio de Janeiro foi inaugurado há dois anos e metade de seus 18 andares ainda permanece vazia.
O edifício tem uma central telefônica digital, uma rede de fibras óticas que permite a transmissão de dados em alta velocidade e conexão direta com a Embratel.
A Valia (fundo de pensão dos empregados da Vale do Rio Doce), dona do prédio, atribui a ociosidade a divergências havidas entre a Embratel, que coordenou o teleporto até o final do governo Itamar, e a Telerj, que assumiu o controle do projeto no governo FHC.
Segundo executivos da Valia (que investiu R$ 70 milhões na obra), os conflitos entre as duas estatais só acabaram por intervenção do ministro Sérgio Motta.
A Telerj investirá R$ 110 milhões em 97 e 98 e outros R$ 130 milhões em 99. Os demais investimentos que estão previstos para o teleporto no programa "Brasil em Ação" dependem da iniciativa privada.
Pedágio caro
Se a duplicação da rodovia Fernão Dias procurava reduzir o "custo Brasil" nos 563,2 quilômetros que separam São Paulo de Belo Horizonte, o tiro saiu parcialmente pela culatra.
"Quando a obra estiver pronta, estaremos gastando em pedágio quase o que se gastará em combustível", diz Romeu Lufte, presidente da NTC, a associação dos transportadores de carga.
Seus cálculos: um caminhão de três eixos consome em média R$ 9,50 de óleo diesel para rodar 100 quilômetros. Na mesma distância, o caminhão pagará por eixo R$ 3,00 de pedágio.
O dirigente dos transportadores não se opõe a uma obra que permitirá um transporte mais rápido e seguro, mas ressalva que o atual modelo de gestão privada -já aplicado à Dutra, entre São Paulo e Rio- repassa ao consumidor um frete encarecido em excesso.
Lufte diz não haver estudos sobre o quanto as transportadoras economizarão em combustível, pneus e tempo por rodarem na Fernão Dias duplicada.
Dois terços do lado mineiro e metade do lado paulista das obras já estão em execução.
A Fernão Dias custará US$ 1.084 mil. A metade é financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). O Senado aprovou o empréstimo, com parecer do senador Eduardo Suplicy (PT-SP). Segundo ele, o preço da estrada é "compatível" com parâmetros internacionais.
Porto de 4 governos
A construção do porto de Sepetiba já atravessa quatro governos. A construtora Constran, do grupo Itamarati, venceu a concorrência em 1987, no governo Sarney.
O consórcio sofreu tantas modificações e paralisações que a Companhia Docas do Rio, atual responsável pelo porto, já não sabe o valor exato gasto na construção.
O Ministério do Planejamento está investindo R$ 180 milhões na conclusão de sua infra-estrutura.
Desse total, R$ 150 milhões serão gastos pela Docas, com empréstimo do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O porto fica a 80 km ao sul do centro do Rio, em Itaguaí.
Gás 'desprivatizado'
Há dois aspectos no gasoduto de 1.815 quilômetros entre Santa Cruz (Bolívia) e Campinas, com prolongamento de mais 1.335 quilômetros até Porto Alegre.
O primeiro é técnico. Permitirá em seu pico, dentro de nove anos, a importação de 16 milhões de metros cúbicos diários de um combustível pouco poluente. Isso equivale a 1/13 do que hoje o Brasil consome em petróleo.
O segundo aspecto é político. O governo, que em 1993 prometia entregar o gasoduto à iniciativa privada, há 13 meses o entregou à Petrobrás. Quis com isso agilizar sua construção: o trecho até Campinas fica pronto em dezembro de 1998. Mas também deu à estatal o monopólio de um combustível que a Constituição já havia tirado de outro (o petróleo).
Gás natural não é novidade como matriz energética. A Bacia de Campos tem reservas de 62 bilhões de metros cúbicos. Os bolivianos asseguram ter 184 bilhões. É o suficiente para, com outras reservas prováveis, garantir a exportação por -apenas- 20 anos.
(XICO SÁ, IRINEU MACHADO, PAULO MOTA, ELVIRA LOBATO, JOÃO BATISTA NATALI)

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