São Paulo, domingo, 29 de junho de 1997
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'Diablo' pede a Deus triunfo sobre Brasil

Etcheverry quer impulsar nova geração ao futebol

RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL A LA PAZ

"Li uma reportagem outro dia que contava que as vendas de raquetes se multiplicaram com a vitória de um tenista brasileiro em Roland Garros. Quero que aconteça isso na segunda-feira aqui, com o futebol."
O atacante solitário da seleção da Bolívia, Marco Antonio Etcheverry, 26, conhecido como "El Diablo" por seus dribles, classifica o jogo de hoje contra o Brasil como uma "epopéia".
"Todos os olhos do mundo vão estar na seleção brasileira, e vamos enfrentar não sei quantos milhões de dólares, astros como Ronaldinho, Dunga e Taffarel. Vai ser a hora de colocar tudo em campo."
O jogador afirma ser muito católico, rezar antes dos jogos e pedir vitórias a Deus. "Não gosto do apelido. É coisa da imprensa", afirma esse fã do brasileiro Zico.
"Ele é meu único ídolo. Comparam Leonardo a ele, mas não tem nada a ver."
*
Folha - Como a Bolívia fará para vencer o Brasil na final?
Marco Antonio Etcheverry - Temos de fazer o contrário do que fez o Peru. Só faltaram pedir autógrafo. Isso me incomodou.
O Brasil tem seu estilo, e a Bolívia, o seu. Vamos contra-atacar e tentar manter a posse de bola. Um gol no início seria o ideal.
Folha - O que significa esse título para o seu país?
Etcheverry - Bom, precisamos vencer para poder contar para nossos netos. Aqui há muita injustiça social, e as pessoas vão aos estádios para ter uma alegria.
Neste domingo, vai ser um jogo entre um time milionário e outro de centavos, mas isso é uma motivação para nós. Todo o mundo vai estar olhando o Brasil, mas verá a Bolívia também.
Folha - Vai ser também o jogo entre os carecas e os cabeludos.
Etcheverry - Prefiro bem mais o cabelo comprido. Tenho esse corte desde os 17 anos, ninguém usava assim e depois virou moda.
Eu só corto meu cabelo com uma garota aqui de La Paz. Quando estou nos EUA, deixo ele crescer, não tenho confiança nos cabeleireiros de lá.
Folha - O que acha da polêmica em torno da altitude?
Etcheverry - Parece que La Paz subiu ainda mais, ficou uns 5.000 metro acima do nível do mar, porque antes os visitantes vinham, ganhavam e voltavam contentes para seus país. Mas, de um tempo para cá, quando começaram a perder, surgiram os protestos.
A verdade é que quem joga futebol são os atletas, não a altitude.
Folha - Você é da planície oriental da Bolívia. Como foi a primeira vez que jogou na altitude?
Etcheverry - Eu tinha nove anos, jogava no infantil e não senti nada, nem meus companheiros.
Já profissional, joguei em um time de La Paz, o Bolivar. Eu tinha a chamada memória fisiológica.
Folha - Você é o único atacante do time. Não se sente muito isolado? Não preferia fazer dupla com seu companheiro do Washington United, Moreno, que é reserva?
Etcheverry - Tenho muito respeito pela tática da seleção.
É difícil ficar sozinho no ataque, com quatro defensores nas costas.
Pelo menos, os meio-campistas têm avançado para a área.
Folha - Como analisa seu desempenho nesta Copa América?
Etcheverry - Estava um pouco inseguro no início, porque o time vinha de um empate com a Venezuela pelas eliminatórias.
Havia muita pressão sobre o grupo. A imprensa daqui criticou tanto que tivemos de fazer uma greve de declarações para acalmá-la. Com os bons resultados, a confiança voltou.
Folha - Os jogadores da Bolívia reclamam que os dirigentes acabarão com o futebol daqui. Acredita que há uma má administração?
Etcheverry - A federação deveria estar preocupada com a formação dos jogadores. Se não, esta geração não terá uma sucessora.
Depois de encerrar minha carreira quero ajudar, montando escolinhas e incentivando os jovens.
Por enquanto, vou fazer isso nos Estados Unidos, onde devo ficar mais alguns anos.
Lá, tenho o apoio da comunidade boliviana, que soma 90 mil pessoas no distrito federal.
Folha - Pensa entrar na política para fazer isso na Bolívia?
Etcheverry - Quero distância da política. Sempre apóio o presidente que está no poder.
Sou amigo do Jaime Paz Zamora, Gonzalo Sánchez de Lozada e do próximo presidente, Hugo Bánzer. Mas não seria ministro de nenhum.
Folha - O título hoje iria incentivar a nova geração?
Etcheverry - Claro. Li uma reportagem no outro dia que contava que as vendas de raquetes se multiplicaram com a vitória de um tenista brasileiro em Roland Garros (Gustavo Kuerten).
Quero que aconteça isso na segunda-feira aqui na Bolívia, com o futebol. Quero muitos garotos comprando chuteiras e bolas.

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