São Paulo, segunda-feira, 30 de junho de 1997
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Gil quer ganhar Europa pela 'periferia'

MARTA AVANCINI
DE PARIS

A música brasileira, ao lado das outras músicas "periféricas", já tem um espaço garantido no mercado europeu. Quem constata é Gilberto Gil, que realiza, até o final de julho, uma turnê pelo verão europeu pelo 19º ano consecutivo.
Ao longo desse período, o cantor e compositor brasileiro observou um crescimento da aceitação da música brasileira, que ganhou mercados, em tese, menos receptivos aos ritmos latinos, como a Alemanha, a Inglaterra e a Bélgica.
Leia, abaixo, trechos da entrevista que Gil concedeu à Folha, por telefone, durante sua passagem por Paris, onde ele fez show na última terça-feira.
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Folha - Como é o show que você está trazendo para a Europa?
Gilberto Gil - É basicamente o mesmo que apresentei no Brasil para lançar o disco "Quanta", só que um pouco mais curto e com algumas adaptações de repertório. Como vou me apresentar em festivais (inclusive a 31ª edição do Festival de Jazz de Montreux), incluí "Toda Menina Baiana", que faz muito sucesso por aqui.
Folha - Você está realizando sua 19ª turnê consecutiva pela Europa. Como é possível tal regularidade?
Gil - Faço isso porque gosto e porque sou solicitado. Apesar de ser corrido -é quase uma cidade por dia-, essas viagens são oportunidade para um recolhimento. Eu e a equipe viajamos em um ônibus nosso, que é quase um "mosteiro ambulante", porque encontro tempo para refletir. Aqui não sou tão solicitado. Volto no ano que vem, completo 20 turnês e talvez deixe de encarar essas viagens como uma obrigação.
Folha - Houve evolução em termos da penetração da música brasileira na Europa nesse período?
Gil - Sim, eu acho que é possível dizer isso. Nos últimos cinco anos passou a ter mais regularidade de demanda, inclusive em mercados que eram menos receptivos, como a Alemanha, a Bélgica e mesmo a Inglaterra. Há muitos brasileiros que vendem disco aqui, como Marisa Monte, João Bosco, Caetano, Gil. Com isso, acabamos entrando nas rádios. Não é nada estrondoso, mas tem uma regularidade.
Folha - A que você atribui esse processo? Você acha que é possível crescer ainda mais?
Gil - Crescer é complicado, porque apesar da sedução exercida pela música latina existem as forças do mercado, o marketing, o apoio logístico, a MTV. Nisso, a música americana é muito mais forte. Mas a gente acaba entrando junto com outras músicas "periféricas", como a cubana, a africana.
Folha - Mudando um pouco de assunto, seu último disco traz uma combinação de temas, que vão da ciência ao sagrado. Como foi possível combinar essas dimensões?
Gil - Na minha obra existe uma tradição desses temas. "Lunik 9", "Refazenda", "Se Eu Quiser Falar com Deus" já assinalam esses cruzamentos. Esse disco traduz um pouco as inquietações desse final de século em que está se questionando o determinismo e a visão científica racional, fechada. Isso vem desde os hippies, dos Beatles. Quero usar o poder de sedução da música para trazer essas questões à tona. O disco suscitou debates em universidades, e eu quero continuar com isso quando voltar ao Brasil. É uma provocação.
Folha - A música vira, então, uma forma de militância?
Gil - O poder de penetração da música popular pode e deve ser usado. No passado, ela foi usada como meio de divulgação de mensagens políticas. O Brasil fez um uso muito forte disso. Hoje em dia, a música pode facilitar a divulgação de novas idéias.
Folha - No seu disco você faz homenagens a figuras importantes da música brasileira (Mario Lago, João Gilberto, Tom Jobim e Milton Nascimento). Por quê?
Gil - São figuras que admiro e que considero meus mestres. Quanto a Milton, fiz uma homenagem a ele por meio de uma canção que escrevi há 20 anos e recuperei nos arquivos da Polygram. É uma maneira de fazer um carinho público em um momento em que ele está passando por uma fase difícil, em que andou meio doentinho.

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