São Paulo, sexta-feira, 4 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gripe defendeu Terra contra marcianos de Wells

JESUS DE PAULA ASSIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os sinais, no início, eram vagos: parecia que vulcões entravam em erupção no planeta vermelho. Mas, dez dias depois das primeiras observações, "eles" chegaram. Naves do tamanho de edifícios, raios de calor, destruição total. Londres caiu em poucos dias.
Esses foram os primeiros marcianos da literatura de ficção científica (FC), protagonistas de "A Guerra dos Mundos", que H.G. Wells (1866-1946) escreveu em 1898. Quase no fim das esperanças, a Terra é salva por micróbios: os marcianos pegam gripe e morrem.
Os marcianos de Wells lembravam polvos cinzas. Tinham pele dura e um bico, com o qual sugavam o sangue das pessoas.
Depois deles, toda uma horda de seres vindos de Marte invadiu as telas e as páginas da literatura popular. Quando, em 30 de outubro de 1938, Orson Welles dramatizou o livro de Wells, simulando uma invasão real, o pavor despertado mostrou que, existam ou não, marcianos são realmente um sucesso.
Nunca se chegou a um consenso sobre a forma dos marcianos. No mais das vezes, eram BEGs (os Bug Eyed Monsters -monstros com olhos de inseto), sempre com más intenções, sempre organizados como insetos e prontos para colonizar este precioso planeta.
E não são apenas seres humanos que sofrem nas mãos de marcianos. Pernalonga é volta e meia assolado pelo terrível e nanico Marvin, que o persegue desajeitadamente com seu "modulador espacial". "Where is my space modulator?" é a frase predileta do alienígena.
Como acontece com outros roteiros de FC, os terráqueos, mesmo quando vítimas, são invariavelmente arrogantes: seres de todo o universo se esforçam, equipam exércitos, abastecem comboios de naves e tudo o mais, apenas para invadir este miserável planetinha periférico.
O contrário, a Terra invadindo Marte, também é um tema clássico da FC. E não invasão por terráqueos comuns. Em "Aelita", de Alexei Tolstói (1882-1945), de 1923, Marte é o refúgio dos atlantes, que fugiram da Terra logo depois que sua cidade foi parar no fundo do oceano.
O interesse da ficção por Marte nasce ainda no século passado, quando o astrônomo Giovanni Schiaparelli (1835-1910) vê canais no planeta vermelho. Os "canali" de Schiaparelli viraram "canais", possíveis obras de engenharia. Isso, somado a uma evidente calota polar (que pode ser vista até de binóculo, em noites claras), dava toda a munição necessária para se falar de um planeta com vida.
Mas foi o cinema que fixou para sempre a imagem dos BEGs marcianos, normalmente malfeitas fantasias de borracha usadas em produções baratas, feitas apenas para preencher sessões duplas de cinema, atendendo principalmente ao público adolescente.
A dignidade marciana só foi resgatada quando o próprio cinema de FC atingiu a maioridade, com produções caras, fato que só se tornou sistemático a partir do início dos anos 60. Os efeitos especiais melhoraram. E, com eles, a aparência dos marcianos.
Em 1976, o sonho marciano acabou, com o pouso das sondas Viking. As câmeras apresentaram um solo desértico, um horizonte avermelhado e mais nada. Assim, já que havia pouco sentido em esperar por invasões marcianas, o cinema voltou para o campo da colonização terráquea. Em 1990, aparece "Total Recall" (que, no Brasil, ganhou o nome de "O Vingador do Futuro", para aproveitar o sucesso do nome "O Exterminador do Futuro").
E o que Marte teria para oferecer? Resposta: Turbinium. Ainda não se sabe o que isso faz, mas o filme de Paul Verhoeven, com Arnold Schwarzenegger, mostra o futuro, e, até lá, os terráqueos terão muito tempo para achar um uso para tão importante substância. No final surpresa (que todo pró-marciano de carteirinha já conhece), Arnie dispara uma gigantesca máquina que dá (quem sabe apenas devolve?) atmosfera ao planeta.
E, para mostrar que a FC, como qualquer outra atividade, caminha em círculos, o ano passado trouxe outro sucesso com os velhos BEGs marcianos: "Marte Ataca!". Justo quando eles pareciam fora de moda, varridos da cena, voltam e, desta vez, imunes a gripes.

Texto Anterior: A CONQUISTA DO ESPAÇO
Próximo Texto: ACOMPANHE O PROJETO DE EXPLORAÇÃO DE MARTE
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.