São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Malucos

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Não deixa de soar como um sugestivo sintoma, aos ouvidos de quem passou um período no além-mar, o que parece ser o novo fundo "musical" do país: o grito "ah, eu tô maluco". Ele está por toda parte -na TV, na publicidade, nas lojas de discos.
Nascido na esquina do funk com o futebol, expressa, evidentemente, um estado de euforia, de embriaguez, de suspensão da realidade. Foi com ele que a seleção de futebol comemorou a vitória na Copa América e foi sob sua sombra sonora que o técnico Zagallo surgiu possesso na TV, vociferando urros patrióticos.
O futebol continua a ser um lugar privilegiado para a elaboração da imagem nacional. No momento em que a ideologia dominante procura fixar a imagem de um país regenerado, que pode dar certo e encontrar um lugar moderno no mundo, o êxito da pátria de chuteiras continua como um bom artifício para o foguetório.
É chocante, para quem consegue manter um milímetro de distância, o festival de emocionalismos, clichês e falsificações que a mídia -Rede Globo à frente, como agência ideológica "premium" do país- promove em torno dos jogos da seleção.
A vitória nessa minguada Copa América mereceu exaltações desmedidas ao "heroísmo" pátrio.
Mas, felizmente, graças a uma importante sutileza do idioma de Camões, que possui dois verbos para bem sublinhar a diferença entre ser e estar, temos certeza de que a maluquice, no caso, é transitória: o Brasil está maluco, não é maluco.
Um alívio.
*
Mas não é só o Brasil que anda maluco. Inglaterra e França também, no melhor sentido: é transbordante a alegria com a perspectiva de mudanças, depois das vitórias do trabalhismo e do socialismo.
Evidentemente, londrinos e parisienses não chegam ao extremo de gritar "ah, I'm crazy" ou "ah, je suis fou" pelas ruas das duas metrópoles européias. São povos um pouco mais compostos. Mas embora não se espere nada de mais radical, a simples quebra da soturna monotonia direitosa deixa mais colorido o verão do velho continente.
"Você acha que Blair será mesmo melhor do que Major?", perguntei bobamente a uma inglesa. "Nada pode ser pior do que Major", respondeu sem piscar.
*
Os europeus também estão malucos com os grandes malucos da América. Os EUA pressionam a Europa para proibir a fabricação de queijos a partir de leite cru. É como se a União Européia tentasse vetar o ketchup.
A propósito, uma pesquisadora suíça mostrou num documentário como a indústria alimentícia de Tio Sam vem mudando sabores em escala mundial. Do molho de tomate à alface -tudo sempre mais adocicado.

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