São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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A professora do MIT achou um bom governo nos trópicos; CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS; PSDB + PT = 0; Proposta: FFHH dá Rennó a Amazonino; A largada; Rigor do ócio; Fundo real

ELIO GASPARI

A professora do MIT achou um bom governo nos trópicos
Se um brasileiro escrevesse um livro intitulado "Bom Governo nos Trópicos", provavelmente seria visto como um exagerado. Pois está nas livrarias americanas e, para internautas, na estante eletrônica Amazon Books (http://amazon.com) o trabalho "Good Government in the Tropics", escrito pela professora Judith Tendler, do MIT (Massachusetts Institute of Technology). Ela leciona economia política e é uma respeitada consultora dos programas de desenvolvimento patrocinados por instituições internacionais.
"Bom Governo nos Trópicos" é um estudo de quatro iniciativas públicas tomadas no Ceará durante os governos Tasso Jereissati (1986-1990) e Ciro Gomes (1990-1994). Quem não gosta dos dois pode ficar em paz. São citados nominalmente apenas três vezes. Os personagens do livro são os cearenses sem rosto.
O primeiro projeto, de medicina preventiva, resultou numa queda abrupta da mortalidade infantil (de 102 crianças mortas para cada mil nascidas vivas, baixou para 65). Quando esse programa começou, só 25% das crianças estavam vacinadas contra sarampo e pólio e só 1 em cada 3 dos 178 municípios do Estado tinha enfermeira. Quando a professora estudou o programa, 90% das crianças estavam vacinadas e quase todos os municípios tinham enfermeira.
O segundo projeto amparou os flagelados da seca de 1987, empregando 235 mil pessoas (30% dos homens ativos na área rural). Nele, o dinheiro levava 15 dias para ir do cofre ao flagelado, contra a marca tradicional de 30 dias. Os flagelados receberam 80% das verbas, enquanto em secas anteriores só chegavam aos seus bolsos algo entre 50% e 65%.
O terceiro estimulou atividades de microempresários, garantindo-lhes encomendas equivalentes a 30% das compras do governo e resultou numa economia de 30% sobre os valores que pagava. O último deu assistência aos produtores rurais.
O negócio da professora Tendler foi estudar por que os programas deram certo. Descobriu coisas de arrepiar tucano. A condição necessária para o sucesso do programa de saúde e do amparo aos flagelados foi, acima de tudo, a criação de um clima de respeito e admiração pelos funcionários do governo. Os agentes de saúde trabalhavam por um salário mínimo, sem carteira assinada, mas sentiam-se heróis da comunidade.
Ela descobriu também que os programas cearenses criaram mecanismos de descentralização do trabalho dentro de estruturas centralizadoras de poder. O governo do Estado dava liberdade aos técnicos que socorriam os flagelados, mas tirava os prefeitos de perto do caixa do dinheiro. (Na seca de 1991, essa iniciativa foi arquivada, adverte a professora.)
Dois capítulos do estudo deveriam ser distribuídos a todos os administradores públicos. Um, já conhecido, começa a se transformar em exemplo internacional de gestão do estímulo a microempresários. É o caso do município de São João do Aruaru, com 9.000 habitantes, localizado a 130 km de Fortaleza. Em 1987, tinha quatro serrarias que empregavam 12 pessoas. Encomendaram-lhe barricas e móveis escolares. Assistidos, produziram móveis 30% mais baratos. Em 1992, São João do Aruaru tinha 42 oficinas que produziam 40% dos móveis escolares do Ceará (90 mil peças anuais) empregando mil pessoas, direta ou indiretamente. A essa altura, 70% de suas vendas estavam fora da lista de compras do governo.
A professora atribuiu esse sucesso ao oferecimento de um mercado, ao adiantamento de recursos (50% da encomenda) e aos mecanismos de controle criados pela comunidade. As repartições não eram obrigadas a comprar os móveis de Aruaru, e o conjunto das oficinas era responsável por cada produto saído da cidade. Cada carteira escolar era identificada por uma placa numerada. Em caso de defeito, localizava-se o fornecedor. Quem produzia móveis de má qualidade podia ser afastado da associação de oficinas.
O trabalho de campo da professora terminou em 1992. De lá para cá, o mau governo nos trópicos ganhou a parada e abalou a atividade de São João do Aruaru. Das 42 oficinas, restam 23. Obra do Tribunal de Contas do Ceará, que considerou ilegal o dispositivo pelo qual o governo entregava 30% de suas encomendas a pequenos produtores.
Dos quatro casos, o mais surpreendente é o da Cooperativa de Produção do Assentamento Santana, do município de Monsenhor Tabosa. Essa cooperativa resultou de uma iniciativa de meeiros e sem-terra organizados pela Igreja Católica em 1980 e beneficiados pelo Incra sete anos depois. Eram 3.100 hectares de terras semi-abandonadas que foram entregues a 64 famílias, 12 das quais já viviam nelas.
A professora Tendler mostra que, enquanto duas outras cooperativas onde os pequenos proprietários representavam só 25% dos associados produziram resultados medíocres, a dos assentados foi um sucesso. Primeiro, eles caíram fora do cultivo do algodão. Depois, criaram um pasto comum, com bodes, ovelhas e cem cabeças de gado. Trabalharam também lotes de até dois hectares, com lavoura de subsistência. Cinco anos depois, tinham 412 cabeças de gado, 443 ovelhas e 620 bodes.
Comparando a produção do assentamento com a do antigo proprietário resulta o seguinte: o número de animais por hectare dobrou, o rebanho leiteiro foi multiplicado por 12 e o assentamento conseguiu uma taxa de animais leiteiros por hectare oito vezes superior à do município. O assentamento produz 458 litros de leite por hectare ao ano. O município, 13,7.
A experiência deu certo porque os assentados não se submeteram ao pacote dos técnicos e dispensaram o cultivo do algodão. Além disso, unidos desde a hora da chegada à terra, batalharam e demitiram um técnico inepto que estava encarregado de lhes dar assistência. Conseguiram a nomeação de outro, no qual confiavam. Quando perceberam que ele não recebia do governo a gasolina necessária para visitá-los, cotizaram-se e pagaram essa -e outras- contas. (Esse tipo de prática é visto como heresia pela comunidade tecnoacadêmica.) Mais: criaram um sistema de trabalho pelo qual o técnico chegava com agenda definida e partia com dever de casa.
Hoje a Cooperativa de Santana anda com suas próprias pernas e não precisa mais da ajuda do programa de crédito que a fez nascer. Um de seus representantes negocia diretamente com o Banco do Nordeste.

CURSO MADAME NATASHA DE PIANO E PORTUGUÊS
Madame Natasha tem horror a música. Ela socorre os carentes do idioma. Concedeu uma de suas bolsas de estudo ao professor Joel Birman, titular de psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, pela seguinte catedral:
"O sujeito é regulado pela perfomatividade, mediante a qual compõe os gestos voltados para a sedução do outro. Este é apenas um objeto predatório para o gozo daquele e para o enaltecimento do eu, de maneira que, nesse contexto, a alteridade e a intersubjetividade são modalidades da existência que tendem ao silêncio e ao esvaziamento."
Madame acha que ele quis dizer o seguinte:
"A enganação é geral."

PSDB + PT = 0
As chances de um entendimento entre o PSDB e o PT na política paulista são muito pequenas. Na planta, projeta-se um acordo pelo qual o PT apóia a reeleição de MárioCovas, e o PSDB, a do senador Eduardo Suplicy. A engenharia dessa manobra esbarra em inúmeros obstáculos. O principal está na bancada federal do PT. Sem um candidato a governador puxando a chapa, os deputados temem que a legenda do partido seja prejudicada.
O argumento parece lógico, mas lhe falta base nos fatos. Na eleição passada, o PT teve candidato a governador (José Dirceu) e dificilmente haverá um deputado federal petista capaz de dizer que lhe deve meia dúzia de seus votos.

Proposta: FFHH dá Rennó a Amazonino
FFHH poderia propor um acordo ao governador Amazonino Mendes. Ele se conforma com a permanência do superintendente da Suframa, Mauro Ricardo Costa, continua votando com o governo e, em troca, leva o doutor Joel Rennó, presidente da Petrobrás.
Seria um acordo compensador. Controlando a presidência da Petrobrás, Amazonino teria dois caminhos: ou manteria o doutor Rennó, iniciando assim uma promissora amizade, ou resolveria discutir suas decisões. Nesse caso, poderia cuidar da última do doutor Rennó.
É a seguinte: no ano passado a Petrobrás abriu uma licitação internacional para comprar um navio ou plataforma produtora de petróleo para a área P-37 do campo de Marlim, na bacia de Campos. Esse tipo de equipamento flutua sobre os poços, separa o gás e a água, guarda o óleo e funciona como um posto de abastecimento oceânico, enchendo os tanques de petroleiros. Faz parte do esforço da empresa para produzir um milhão de barris de petróleo por dia.
A licitação para Marlim P-37 foi ganha por uma empresa que pediu US$ 289 milhões pelo seu navio. Ficou em segundo lugar uma proposta de US$ 300 milhões, e em terceiro chegou a oferta de uma plataforma chamada DB-100, velha conhecida da Petrobrás, cobrando US$ 360 milhões.
A veneranda DB-100 já se vira envolvida num caso que resultara no descredenciamento de uma empresa durante o collorato. Alguns diretores da companhia que a intermediava foram descredenciados, mas o doutor Rennó teve boas razões para reabilitá-los no tucanato.
A licitação de 1996 esteve nos conformes, até que no início deste ano surgiu uma idéia. Como se precisava de outro produtor de petróleo para a área P-40 do campo de Marlim Sul, resolveu-se negociar o arrendamento da plataforma DB-100. Sem licitação.
Essa idéia resultou na ressurreição de um equipamento que perdera a concorrência da P-37. Seu preço estivera 25% acima do oferecido pela vencedora. Uma diferença de US$ 71 milhões, ervanário suficiente para comprar o votos de 355 Ronivons. Uma bancada desse tamanho aprova qualquer reforma constitucional, até mesmo o restabelecimento da monarquia.
Em favor da idéia argumentava-se, no início do ano, que era preciso ganhar tempo. Licitação, como se sabe, é coisa que traz muitos inconvenientes, inclusive alguns cumprimentos de prazos.
Criou-se uma comissão (de pessoas) para tratar do assunto, e a conta estava em US$ 360 milhões quando um diretor da Petrobrás achou caro. Veio outra comissão (sempre de pessoas). Baixou-se para pouco menos de US$ 350 milhões. Nessa altura tinham passado quase seis meses.
O doutor Rennó dispõe de mecanismos técnicos e jurídicos que lhe permitem fechar um negócio desse tipo sem ofender a lei. Em geral, uma concorrência do gênero anda rápido se acaba em 70 dias e demora se dura 180. Se o edital da P-40 tivesse sido publicado em janeiro, mesmo dando tudo errado, o contrato já poderia estar assinado. É até possível que só a DB-100 se candidatasse e, nesse caso, poderia tentar inflar seu preço. Admitindo-se que o caminho da contratação direta fosse óbvio, o colégio de sábios da diretoria da Petrobrás não teria dificuldades para percebê-lo.
Ao longo dos últimos três meses, um diretor da empresa achou melhor acabar com a negociação. Outro, que era a favor, mudou de idéia. Um deles chegou a revelar, formalmente, que seria aberta uma nova licitação. No início de junho, tomaram-se algumas providências burocráticas para preparar o edital. Há duas semanas, o doutor Rennó resolveu dispensar os lentos trabalhos das comissões e avocou o caso aos seus poderes presidenciais. Na reunião de quinta-feira passada, bateu o martelo e fechou o arrendamento da DB-100 por 10 anos a um custo estimado em US$ 309 milhões.
Desconfortável com a manutenção do auditor Mauro Costa, o governador Amazonino adoraria acompanhar de perto as aventuras do mundo petrolífero do doutor Rennó.

A largada
Por mais que dê a impressão de estar começando a campanha pela reeleição, FFHH só dará a largada nos últimos meses do ano. Fará isso lançando uma dupla reforma do ministério.
Primeiro, mudará a estrutura administrativa do gabinete, fundindo pastas e criando novos instrumentos de governo.
Depois, preencherá as vagas.
Com tanta novidade, ficará a impressão de que o novo governo já começou, faltando-lhe apenas a ratificação eleitoral.

Rigor do ócio
Um embaixador brasileiro em férias aproveitou o tempo disponível em Brasília para procurar alguns ministros para trocar idéias sobre comércio exterior. Se tivesse sorte, trabalharia melhor quando retornasse ao posto.
Tomou memorável espinafração de seus superiores.

Fundo real
Criou-se um conselho informal de ministros para administrar a utilização de uma parte do ervanário da privatização das telecomunicações. Trata-se de aplicar o dinheiro em obras que não pareçam eleitoreiras, mas fiquem visíveis antes da eleição.
Sérgio Motta ficou de fora.

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