São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Genética pode revelar cérebros de 'vidro'

PHILIP COHEN
DA "NEW SCIENTIST"

Genes podem conter um trágico nocaute para alguns boxeadores. Um estudo revela que parte dos lutadores são geneticamente predispostos a sofrer danos cerebrais como resultado de golpes na cabeça.
Apesar das descobertas serem preliminares, alguns especialistas dizem que a pesquisa pode conduzir a uma peneira genética, banindo pessoas susceptíveis do boxe e de outros esportes de contato -uma proposta controversa.
Barry Jordan, neurologista da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, apresentou sua descoberta na Primeira Conferência Médica de Segurança no Boxe, realizada em Aruba, em maio.
Afirmou que lutadores com uma variação comum do gene responsável pela produção da proteína ApoE, conhecida como E4 alelle -que coloca seus portadores sob alto risco de desenvolver o mal de Alzheimer-, são mais passíveis de desenvolver danos neurológicos nos ringues.
O trabalho de Jordan poderia explicar por que alguns pugilistas sobrevivem a centenas de combates, enquanto outros apresentam sérios sintomas neurológicos após apenas alguns golpes na cabeça.
O que já está claro é que pelo menos 10% dos boxeadores -alguns estudos apontam mais da metade- adquirem uma condição conhecida como síndrome do soco bêbado, caracterizada por enfraquecimento da memória, perda de coordenação e fala desarticulada.
Jordan notou que pacientes de Alzheimer têm sintomas similares e que contusões graves na cabeça são conhecidas por acelerar o progresso da doença.
Jordan e sua equipe, então, decidiram ver se a similaridade entre a síndrome do soco bêbado e o mal de Alzheimer tinha base genética.
Em amostras de DNA de 27 lutadores aposentados e três ativos, verificaram a presença do E4 allele e relacionaram isso com a saúde neurológica dos lutadores.
Perto de um terço da população carrega uma cópia do E4 allele enquanto 10% carregam duas. Alguns estudos sugerem que pessoas com dois genes E4 têm dez vezes mais chances de desenvolver o mal de Alzheimer do que uma pessoa que não os possua.
Quando Jordan examinou os lutadores, mesmo aqueles sem genes E4 mostraram alguma evidência de dano neurológico. Mas um terço dos que tinham um único E4 apresentaram danos mais extensos. O lutador mais seriamente prejudicado tinha duas cópias.
Por que o E4 allele colocaria a pessoa sob alto risco de dano cerebral não está claro. "É importante descobrir pois podemos estar aptos a fazer algo a respeito", diz James Nicoll, do Southern General Hospital de Glasgow, que estuda a ligação entre ApoE e a recuperação de danos cerebrais.
Uma possibilidade é que as pessoas com o E4 allele têm mais chances de produzir depósitos de proteína amilóide, que é tóxica, em seus cérebros quando feridos.
O ApoE está envolvido no transporte de lipídios, necessários à recuperação de células nervosas. A versão da proteína codificada por E4 seria menos eficiente na função.
Utilidade
Jordan acha que perfis genéticos possam, no futuro, ser ferramentas comuns para técnicos de boxe e médicos. "Você assistiria boxeadores com esses genes mais de perto e tentaria espaçar suas lutas."
"E, claro, você os alertaria para o risco que estão correndo."
Outros especialistas dizem que as implicações poderiam ter alcance maior. "Esse trabalho pode ter importância histórica", afirma Joe Estwanik, médico e escritor.
Para ele, a descoberta deixa aos médicos um dilema: o que dizer a esportistas com perfis genéticos que apontam alto risco. "Você os desencorajaria? Baniria eles do esporte aos dez anos de idade?"
Jordan e Estwanik acham que os atletas evitariam o teste genético, mas outros discordam.
George Lundberg, editor do "The Journal of the American Medical Association" e um proeminente crítico do boxe, aponta que muitos Estados norte-americanos já exigem de pugilistas certos critérios médicos para competir.
"Eles não lhe deixam lutar se você é parcialmente cego", afirma. "Certamente criariam leis para proibir aqueles sob alto risco de lesão de subir aos ringues."
Jordan, agora, está checando se a mesma ligação entre lesões e o E4 allele pode ser detectada no futebol e no futebol americano.

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