São Paulo, domingo, 6 de julho de 1997
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Os aprendizes de escritores

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Dois livros que se pretendem manuais de redação, um de roteiros para cinema e televisão, outro de prosa de ficção para "aprendizes de escritores".
O primeiro, "Me Alugo para Sonhar", é da série produzida pela oficina de roteiro do escritor Gabriel García Márquez, na Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, em Cuba. Este é o segundo volume da série, que estreou com "Como Contar um Conto" (Casa Jorge Editorial).
Durante um mês, o colombiano García Márquez, 70, reuniu-se com um grupo de alunos para adaptar para a TV, em forma de minissérie, um conto seu, também intitulado "Me Alugo para Sonhar". A proposta era fazer um trabalho comercial, para ser vendido e assinado pelo grupo, sendo que os direitos autorais ficariam para a escola.
O livro é a reprodução de cada dia de elaboração do roteiro, apresentando as conversas de Márquez com os alunos. O roteiro final da minissérie "Me Alugo para Sonhar", de 1992, seria escrito por Ruy Guerra e Claudio McDowell.
Com a maturidade de quem está acostumado a dirigir e com a facilidade de quem maneja projetos "comerciais", o autor de "Cem Anos de Solidão" conduz o grupo de alunos, aceitando ou recusando sugestões sempre de modo bastante pertinente.
Márquez diz que faz oficinas para "ver qual é o mistério da criação" e que sempre se surpreende. "A gente sempre fica depois com a sensação de que alguém nos ditou alguma coisa, que no fundo foi tudo ditado."
Para quem lê o livro, a impressão não será, no entanto, tão profunda, a ponto de revelar-se ali o mistério da criação. Mas sobram algumas dicas práticas de como elaborar um roteiro -e sob a marca popular de Gabriel García Márquez (leia texto ao lado).
Mais difícil ainda será ver o mistério da criação neste "A Arte da Ficção", de John Gardner, da escola americana de "creative writing" (escrita criativa). Nas universidades americanas há cursos para formar escritores de literatura de ficção.
O autor pretende ensinar o que ele chama de "aprendizes de escritores" a escreverem ficção. Não se trata de simples aulas de redação e gramática -são aulas de "redação literária", com o objetivo mais ambicioso de orientar "futuros escritores" a fazerem literatura.
Mas tudo é questionável nesse tipo de livro -como a própria existência dos cursos de escrita literária, de que Gardner foi professor-, a começar pela premissa de que "tudo o que se exige do candidato a escritor é uma nítida compreensão do que pretende ser. (...) Mas tudo deve ser resultado de bom estudo, sustentado por um profundo amor pela literatura".
O livro se divide em duas partes: a primeira apresenta uma teoria geral da ficção; a segunda trata de técnicas específicas de "redação literária" e propõe exercícios práticos.
Não que as orientações de Gardner sejam de todo dispensáveis -mas elas não passam de aulas de redação como quaisquer outras e para qualquer pessoa, inclusive para quem se sente um "aprendiz" de escritor e acredita que escrever ficção é tarefa a ser ensinada ou aprendida como matemática.

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