São Paulo, quarta-feira, 9 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Gilberto Miranda, um caso para o CPDOC

ELIO GASPARI

Deve-se ao repórter Tales Faria a captura de uma daquelas frases que fazem história na política nacional. É do senador Gilberto Miranda:
"O PFL é realmente um grande partido onde ninguém fica desprotegido. Funciona como uma máfia".
Não se pode saber se o senador fez o paralelo pelo que conhece da máfia ou do PFL. Sabe-se apenas que está no glorioso pefelê da 'mudernidade' há menos de um ano.
Gilberto Miranda não é um caso de CPI, mas de CPDOC, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas. Essa maravilhosa instituição dedica-se a colecionar os depoimentos dos notáveis nacionais depois que eles saem de cena. Exagerando, a coisa funciona mais ou menos assim: o sujeito representa um papel ao longo da vida e, na paz da velhice, senta-se diante de alguns professores para contar aquilo que realmente sua vida foi. Os depoimentos ao CPDOC diferem dos depoimentos às CPIs porque a um os personagens contam a verdade no limite do possível e à outra mentem até onde podem. Talvez Gilberto Miranda fale ao CPDOC. Tomara que seja amanhã.
O senador é hoje a encruzilhada de quase todas as curiosidades que rondam a anatomia da aliança que sustenta o tucanato.
Houve um escândalo com o Sivam? Ele era o relator. É impossível esquecer a pergunta do embaixador Júlio César dos Santos a um empresário metido no negócio, que reclamava da má vontade do senador: "O senhor perguntou quanto é que ele queria?"
Houve um escândalo com os papéis do prefeito Paulo Maluf? Ele era o relator da emissão dos títulos. Em dezembro do ano passado disse a FFHH que, se uma CPI tentasse levantar o caso, corria-se o risco de prejudicar o governo.
Houve um escândalo na Alfândega de Cumbica? Ele coletou 40 assinaturas de senadores defendendo o chefe da fiscalização, um divertido personagem que, trabalhando na Receita Federal, esquecia-se de apresentar declaração de Imposto de Renda.
Mencionar que foi seu irmão, Egberto Batista, quem ligou o ventilador da senhora Miriam Cordeiro para desestabilizar a campanha de Lula em 1989 talvez seja envolvê-lo em coisa que nem sequer saiba.
É também um homem desassombrado e de grande valentia verbal. Em 1993, quando os tucanos ainda não voavam, meteu-se num bate-boca com o senador Fernando Henrique Cardoso e saiu-se com essa: "Você, o Covas e o Serra também sonegaram. Fizeram campanha com base na Cosipa". ("O que o senador está falando é um absurdo. Ele não tem condições de provar nada", respondeu FH.)
Um ano depois, quando o governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury, o marechal do Carandiru, pensou em ser candidato a presidente, o senador ensinou-lhe: "Esse papo não leva a nada. Quero saber quem é o candidato viável e de onde vai sair o dinheiro para a campanha". Em outra ocasião, revelou: "Eu sei muita coisa, eu sei mais que o Pedro Collor. Eu sei quem deu o quê, para quem, na campanha eleitoral".
Há poucos meses, aborrecido com uma entrevista do senador Vilson Kleinubing, enriqueceu a crônica parlamentar com a seguinte previsão: "Você não será mais senador, nem eu. Eu tenho filho e você também. Um deles ficará órfão".
Poderia parecer um falastrão primitivo, mas sua figura é mais complexa. Tem uma fortuna de centenas de milhões de dólares, um palacete paulistano de US$ 4 milhões. ("Um sonho que eu tinha há 20 anos. Quando entrou um pouquinho no meu bolso, pude realizá-lo.") Tem ilha, beneficiada no Orçamento da viúva para este ano com uma verba R$ 750 mil para a construção de uma pista de pouso nas proximidades. Pista de pouso? Claro. Sendo um com-jatinho (o Lear Jet que pertenceu a Nelson Piquet) não poderia continuar vivendo como um sem-aeroporto desses que andam pela rua do Ouvidor. Carro? Oito, duas Rolls Royce. Malas? Louis Vuitton, aquele artesão francês que fazia malas parecidas com as dos camelôs africanos da Quinta Avenida. Vinhos? Duas mil garrafas. Serviu um Montrachet 83 ao dono das videiras Romané-Conti, mas Aubert de Villaine não o reconheceu, e lá se foi um bom dinheiro. Mimos para as namoradas? Um anel de ouro e brilhantes, servido num prato, pelo garçom do restaurante onde jantavam. Em suma, no dia em que as griffes e as revistas que inventam o modo de vida dos ricos desorientados disserem que entrou na moda o estilo selvagem-chique, Gilberto Miranda descerá em Brasília com uma tanga de palha do Taiti e caneta Dunhill na virilha.
Com um pé na finança paulista e outro nos mecanismos de incentivos fiscais da Amazônia, o senador é maior que o colosso de Rodes.
Ele vale não só pelo que tem, mas sobretudo pela maneira como acumula e consome. Talvez esse seja o seu aspecto mais interessante. Houve uma época em que os milionários paulistas produziam banha (Matarazzo), cimento (Ermírio de Moraes) ou máquinas (Bardella). Gilberto Miranda compra pronto, ora para as fábricas amazônicas, ora para seu catálogo de exterioridades.
É um produto radical de uma época. Tendo entrado na política, descobriu que precisava ficar num partido de manhas eternas, capaz de permitir que o poder não mude de mãos, mesmo depois que a casa do Matarazzo virou estacionamento. Um partido onde ninguém fique desprotegido, que funcione como uma máfia e que não veja razão para se incomodar com um nobre senador que o veja dessa forma.

Texto Anterior: Carro atropela quatro sem-terra em PE
Próximo Texto: Assembléia de AL debate impeachment de Suruagy
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.