São Paulo, quarta-feira, 9 de julho de 1997
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Escândalo !

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Miguel Falabella, carioca, "vascaíno doente", agora está morando em São Paulo.
Estréia uma remontagem de "As Sereias da Zona Sul" esta semana, uma nova peça, "Submarino", em setembro, e escreve aqui a sua nova novela, "Escândalo!". E já projeta montar "Beijo no Asfalto", de Nelson Rodrigues.
Em entrevista, comenta o besteirol que revisita em "As Sereias da Zona Sul" e detalha a novela, que pretende falar de ética.
*
Folha - O que era o besteirol?
Miguel Falabella - O besteirol... Eu fiquei velho mesmo, porque tem dois rapazes de Minas Gerais que escreveram uma tese sobre o besteirol. Falei, "bom, agora foi, viramos passado mesmo". O besteirol foi um movimento fundamental. Tinha que acontecer, porque tudo tinha parado. Foi uma necessidade de toda uma geração de vomitar um lixo cultural. Porque foi uma geração perdida. Nós não pegamos a herança.
Folha - Dos anos 60.
Falabella - É. E a gente não pegou a repressão. Eu não queria carregar cadáver alheio. Então, foi radical. A bobajada era para respirar mesmo. E era tão fundamental que fez o sucesso que fez.
Folha - Fez o sucesso que fez e lançou uma geração.
Falabella - Lançou uma geração que depois buscou os seus caminhos. Eu te confesso, sempre gostei do "divertissement" (divertimento). Quando eu trabalhava no Pessoal do Despertar, eu era muito massacrado porque não entendia. "Mas por quê? Teatro é 'divertissement' também." E acho que o besteirol, na época... Hoje em dia eu não faria mais. Eu brinco que "Sereias" é uma montagem histórica. É bárbaro ver, mas é uma coisa de primeiros tempos.
Folha - Mas ele não ajudou a renovar o humor de televisão?
Falabella - Exatamente. A televisão sempre dá um jeito de roubar as melhores coisas. O besteirol foi interessante até 87, enquanto foi transgressor. Eu acho o primeiro espetáculo, eu e o Guilherme Karam, de 83, maravilhoso. "Sereias" já não era tanto. Mas eu acho que o grande barato é a gente saber envelhecer mesmo. Daqui a pouco vai chegar outra geração. Eu acabei de ler os diários do (comediógrafo inglês) Noel Coward e tem uma coisa linda. Fizeram toda uma abertura dos "angry young man", que entraram de sola contra o velho, quando vieram. E todos escrevem no livro. Ah, é tão bonito. Cara, eu chorei tanto.
Mas agora eu estou num momento em que estou vendo o que fazer da minha vida. Já tenho sucesso, não quero mais sucesso. Vou fazer cinema, estou com planos legais com a Columbia.
Folha - Quais são os planos? A venda de um roteiro?
Falabella - (Falando baixo) A Globo não pode saber (ri). Eu quero fazer "entertainment" (entretenimento). Mas eu também quero me retomar como ator. E estou com essa piração, fazer um Nelson (Rodrigues), o "Beijo no Asfalto". Eu fui jantar com a Bete Coelho outro dia, porque quero fazer um Nelson Rodrigues com ela e o Gerald (Thomas). Ela vai fazer a minha nova novela também. Porque eu acho uma atriz maravilhosa.
Folha - Como é que você se vê, como autor? Tem o besteirol, as peças posteriores.
Falabella - Parece louco dizer, mas não acho que eu seja um autor. Eu acho que sou uma pessoa de mídia, porque eu tenho poucos textos que são meus, só. Acho que tenho coisas. Eu tenho frases, mas não sou um autor, não. Sou um bom observador das pessoas. Eu observo muito, e eu sei pegar tipos. Agora, com essa coisa de escrever novela... Quer dizer, se fosse um autor mesmo eu jamais estaria escrevendo novelas.
Folha - Nelson Rodrigues escreveu três.
Falabella - É. Mas não tenho essa preocupação, "ah, eu vou ficar". Eu acho assim... Eu virei uma personalidade, perdi um pouco o controle das coisas. A classe média vai sempre precisar das suas referências, dos seus ídolos. E a televisão fornece isso loucamente. É uma multidão de rostos. Agora, eu não nego a televisão. Nessa minha novela, bem, vou trabalhar com um monte de gente.
Folha - Como é a novela?
Falabella - Eu quero falar de ética. Vou falar de um jornal decadente, do núcleo central no jornal, que está cheio de dívidas. Então, é um universo que cai. A novela chama-se "Escândalo!". Eles precisam de escândalo para sobreviver, então arrumam uma inocente útil. Aí vem a mocinha, o lado novelesco. Vira um escândalo mesmo, e acabam com a vida dessa mulher. É o momento que a gente está vivendo. Eu quero falar sobre isso, sem vilões. Todo mundo é doido.
Folha - É novela das sete, quer dizer, é mais cômica?
Falabella - É, tudo isso aliado com humor. Elas são todas loucas... Porque o jornal tem três herdeiras, e as três são casadas com intelectuais. São três, Maria Guilhermina, Maria Dorotéia e Maria Elizabeth. E os três maridos é que gerem o jornal. Os três escrevem. Não fazem nada, só escrevem, umas colunas, dão umas opiniões.
Folha - E corrupção, Brasília?
Falabella - Tudo. Tem um banco. Vai ser um pega para capar. Adoro o título, "Escândalo!".
Folha - Ainda sobre escândalo, acabaram as brigas do programa de domingo, "Sai de Baixo"?
Falabella - Na verdade, nunca houve brigas ali dentro. O que houve é que... Agora Inês é morta. O que a gente queria fazer no início era um "sitcom", com diálogos engraçados, inteligentes etc. E não vivendo do histrionismo dos atores. Eu falei para a Marisa Orth outro dia, "se botar um realejo, viramos micos de realejo". Mas agora entrou num acordo, não tem mais briga, não. A forma dele é essa.
Folha - O programa vai acabar?
Falabella - Não. É um sucesso. Mas é muito louco, você pensar que a gente está aqui discutindo "Sai de Baixo", que é um programa safado de domingo (ri).
Folha - A personagem da Rosi Campos, na última novela, revelou-se homossexual. Em várias peças você trata disso. Você tem uma visão política da questão?
Falabella - Eu não tenho, porque a gente, no Brasil... Até me convidaram agora para fazer uma capa da "Sui Generis" e eu falei, "não vou fazer, porque não tem muito sentido esse tipo de coisa no Brasil". Ainda é supérfluo, perto de coisas mais importantes que a gente tem que batalhar.
Folha - Embora você sempre volte ao tema.
Falabella - Claro, acho que tem que se falar disso, está nas ruas, na capa da "IstoÉ". Mas eu acho que sair do armário... Sexo para mim é sempre manipulação de sistema. O sistema determina o que pode e o que não pode. E eu acho que tem que falar disso. Agora, não que seja obrigatório, senão vai ficar chato. E teatro chato é fatal.
Folha - Você mudou para São Paulo?
Falabella - É, comprei um apartamento, estou morando aqui.
Folha - Por quê?
Falabella - Eu estava triste no Rio. Rejeitei São Paulo durante muitos anos. Fiz um espetáculo aqui, em 85. Você não sabe o que é morar num hotel oito meses em São Paulo. Eu não conhecia ninguém. E eu tive uma piração, de solidão mesmo. Um dia peguei minhas coisas e nunca mais voltei. Aí o meu produtor falou, "você não vai fazer o 'Louro Alto' em São Paulo?". Eu falei, "não, não gostam de mim". Mas eu vim e foi uma coisa. Toda noite eu saía do palco chorando. Uma coisa que eu nunca vivi. As pessoas iam para o palco pegar na minha mão.

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