São Paulo, quarta-feira, 9 de julho de 1997
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O lado ruim do Real

LUIZ MARINHO

Nos últimos dias, como já era esperado, vivemos sob um bombardeio de comemorações do terceiro aniversário do Plano Real. O governo lançou uma verdadeira ofensiva de publicidade paga.
Além disso, os próprios jornais se encarregam de produzir o clima de falso consenso, como durante o "milagre" da ditadura, a primeira fase do Cruzado ou o início do governo Collor.
Os sindicatos de trabalhadores possuem uma opinião muito diferente. Para encurtar a conversa, vamos considerar positivo o controle da inflação, vamos reconhecer que durante um ano os brasileiros comeram mais frango e que caiu o chamado imposto inflacionário, deixando de corroer de modo tão violento os salários dos mais pobres.
Isso justifica o festival de aplausos? Não. A responsabilidade maior dos que não se guiam pela verdade oficial é mostrar os problemas que se agravam, como o desemprego e a exclusão social.
Com efeito, se, num prato da balança, temos o controle da inflação, no outro temos uma política econômica que elimina empregos e submete a indústria a uma competição desleal com países onde os juros anuais equivalem às taxas mensais daqui, onde houve anos de investimentos tecnológicos e seriedade na qualificação da mão-de-obra.
Além disso, o acúmulo de déficits mensais na balança comercial funciona como uma bomba-relógio. O trabalhador brasileiro sabe muito bem no colo de quem ela acabará explodindo.
O desequilíbrio cresce também nas contas públicas. A política suicida de juros altos leva a dívida interna a tocar os US$ 200 bilhões, contra US$ 46 bilhões do início do governo FHC.
Dizem que esses números negativos são contrabalançados pela entrada de capitais externos. Mas também nisso a política oficial carece de seriedade, visto que esses capitais voláteis fogem ao primeiro sinal de crise, como ficou comprovado no México, em 1994.
O IBGE é um dos órgãos oficiais a participar da ofensiva de propaganda, divulgando números eufóricos sobre uma hipotética melhoria na renda dos mais pobres, mas não pode desmentir que, durante os três anos de Real, foram eliminados 733 mil empregos no país, sendo 464 mil na indústria e 25 mil na base metalúrgica do ABC.
Embora o cenário econômico não seja nenhum mar de rosas, é nesse terreno que o governo FHC concentra o peso da ofensiva propagandística, antecipando desde já o que serão as eleições de 1998, com a novidade da participação de quem controla as verbas e os instrumentos de pressão.
Concentra-se no terreno econômico por uma razão simples: o balanço político e o inventário moral do governo são deploráveis, apesar de poucas reportagens da imprensa, conivente, abordarem esse tema com coragem.
O programa político se resumiu ao esforço para reformar a Constituição, tentando retirar conquistas sociais e direitos trabalhistas que resultaram de anos de mobilização sindical e popular.
A Previdência, a segurança dos aposentados e a estabilidade dos funcionários públicos foram os alvos principais, abandonando-se os discursos sobre os cinco dedos da mão espalmada e reduzindo-se o Comunidade Solidária a pouco mais que um órgão para distribuição de cestas básicas, com muitas notícias sobre uso político-eleitoral.
O nível de respeito do governo pelo movimento sindical ficou materializado na covarde e mesquinha perseguição contra os petroleiros desde a greve de maio de 1995. As prioridades dos gastos públicos ficaram atestadas na queima de US$ 20 bilhões para socorrer banqueiros, quando a saúde e a educação seguiram em colapso.
O compromisso com a ética ficou gravado na sequência de escândalos, do Sivam à compra de votos, envolvendo um ministro de conhecida intimidade nas relações do presidente.
Por fim, a preocupação com a extensão dos direitos de cidadania ficou estampada com sangue nos massacres de Corumbiara e Eldorado do Carajás, nas violências que vitimaram os sem-terra, com a impunidade seguindo solta.
Fica claro que as comemorações desse aniversário deveriam ser feitas num clima de debate muito mais honesto e de confronto de opiniões contrárias.
Mas, para tanto, seria necessário desfazer o alinhamento incondicional da grande imprensa (com honrosas exceções), dos empresários e dos governantes à receita neoliberal, que já faz água nos países ricos, como fica claro nas derrotas de seus adeptos na Europa.
Em resumo, nos pequenos espaços que se abrem na imprensa para a opinião dos trabalhadores é indispensável trazer um ponto de vista discordante do oba-oba e do nhenhenhém oficial.
Mesmo que os formadores de opinião não tenham interesse -como durante o regime militar-, uma parcela expressiva dos leitores acolherá o antiaplauso que aqui registramos, deixando uma avaliação mais definitiva para a história, que não pára, traz mudanças surpreendentes e às vezes é mais rápida do que muitos imaginam.

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