São Paulo, quinta-feira, 10 de julho de 1997
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Guilleminot reúne obra e espectador

Terapia dialoga com arte

CELSO FIORAVANTE
ENVIADO ESPECIAL A MÜNSTER

A artista plástica Marie-Ange Guilleminot, 36, não está na mostra alemã Documenta, em Kassel, mas passou bem perto.
A francesa tem um trabalho no evento "Sculpture Project", na também alemã cidade de Münster, e ainda comparece à bienal de Veneza, curada por Germano Celant. Guilleminot ganhou "menção de honra" em Veneza por "instaurar uma nova relação com o público, que é envolvido na realização do trabalho e na descoberta muito inventiva dos objetos", segundo a bienal.
Conceitualmente, porém, é possível dizer que a artista está mais na Documenta que nas mostras concorrentes no verão europeu.
Curada pela também francesa Catherine David, a quinquenal mostra alemã priorizou produções que privilegiassem a relação do espectador com os espaços (públicos, privados, na mídia) e com a própria obra, que questionassem categorias preestabelecidas pelo mercado e que pervertessem os papéis e os espaços reservados à obra de arte.
Partindo desses pressupostos, a inclusão da artista brasileira Lygia Clark (1920-1988) em Kassel não foi uma surpresa, já que ela se encaixa em todas essas categorias. Também não seria estranha a inclusão de Guilleminot, que se mostra como uma seguidora de alguns conceitos pregados pela brasileira.
Na última fase de sua carreira, nos anos 70, Clark passou a se dedicar à criação de seus "Objetos Relacionais", que ela usava em sessões de terapia e que privilegiavam as funções terapêuticas às funções estéticas.
Para Marie-Ange Guilleminot, o contato físico do espectador com a obra também é uma necessidade vital. Em Münster, por exemplo, apresenta um ambiente fechado de madeira com buracos onde espectadores podem colocar os pés para que sejam massageados, sem perderem a individualidade e livres da observação, em um espaço de segredo e troca.
Outra obra sua, "Chapéu-Vida" (foto acima), foi criada para um amigo que costumava bater a cabeça em vários lugares. Longe de sua função prática, o objeto ganhava ainda uma vida estética. Em Veneza, apresentou uma série de objetos criados com funções cotidianas e corporais criadas a partir de meias femininas de seda.
Sua preocupação é investigar a relação das pessoas com o espaço e como isso pode influenciar a formação do Eu, aquilo que a psicanalista Suely Rolnik, estudiosa da obra de Clark, chama de "construção da subjetividade".
A obra de Guilleminot não exige contemplação, mas uso. Não é o olhar viciado, mas novas atitudes que determinarão a relação com o objeto de arte.
A Documenta não descartou casos semelhantes ao do artista e esquizofrênico-paranóico Bispo do Rosario (leia texto abaixo).
Selecionou trabalhos de artistas que vivem em instituições clínicas ou penais sob a supervisão das irmãs gêmeas austríacas Christine e Irene Hohenbüchler. A sala está ao lado da de Lygia Clark.

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