São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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O que não é de César

JOSÉ EDUARDO DUTRA

Obras são importantes, sim, mas não basta coibir a presença de governadores e do presidente da República em cerimônias de inauguração para que se instaure a moralidade em campanhas eleitorais em que sejam candidatos à reeleição. Aliás, como bem assinalou Jorge Castañeda, "na América Latina, reeleição será sempre recondução".
Acreditamos, inclusive, que o Judiciário ainda deverá ser chamado a pronunciar-se sobre a necessidade de desincompatibilização, conforme a melhor, a mais lógica e sistemática interpretação da Constituição nos autoriza a sustentar.
Com efeito, não seria razoável supor que nada obste a candidatura do presidente da República à reeleição, no exercício do mandato, e que sua esposa seja inelegível para qualquer cargo. Ou que um governador, para ser candidato a deputado estadual, tenha que se afastar e, se candidato à própria sucessão, possa permanecer no posto.
Obras devem ser inauguradas. Porém, como ressaltava Éluard, "é preciso tirar de César tudo o que não lhe pertence".
Nenhuma obra é fruto da vontade única de quem esteja à frente do Executivo. Resulta do esforço dos contribuintes e da participação intensa do Legislativo na previsão do investimento, nos programas de desenvolvimento, nos planos plurianuais, nas leis de diretrizes e na sua viabilização por meio do Orçamento.
Além disso, é sempre bom lembrar que muitos hospitais, estradas e escolas são construídos ao longo de vários governos, não sendo justo que apenas o governante por ocasião de sua conclusão leve os louros. Capitalizar politicamente uma inauguração é apropriação indébita, que induz à manipulação da vontade eleitoral. Recordemos, por exemplo, que o trecho da duplicação da rodovia Fernão Dias, inaugurado por FHC na semana passada, foi iniciado há seis anos.
Entretanto, mais que isso, é preciso proibir que bancos, empreiteiras, concessionárias de serviço público contribuam financeiramente com as campanhas, como já ocorre nos EUA, onde isso dá cadeia (US Code, Title 18).
FHC gosta muito de citar o livro "Democracia na América", de Alexis de Tocqueville. Certamente seu exemplar, nesta altura, já não deve mais conter as páginas em que está dito que, na reeleição, "o chefe de Estado se põe em luta, toma emprestada para seu próprio uso a força do governo", ou ainda que "o desejo de ser reeleito domina o presidente, e toda a política de sua administração tende para esse ponto (...). A influência corruptora do governo torna-se mais extensa e mais perigosa, tende a degradar a moral política do povo e a substituir o patriotismo pela habilidade".

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