São Paulo, sábado, 12 de julho de 1997
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Democracia é isso

FÁBIO WANDERLEY REIS

O principal argumento a favor de criar a possibilidade de reeleição do presidente da República é o de que assim se enriquecem as opções do eleitor, que passa a poder ter entre os candidatos o titular do cargo, com contas a prestar do primeiro mandato.
O argumento circunstancial da suposta qualidade da administração realizada por Fernando Henrique Cardoso, que se brandiu com insistência nas discussões de alguns meses atrás, subordina-se claramente a ele, já que o eleitor é o juiz final dessa qualidade.
É compreensível que se seja contra a possibilidade de reeleição, entre outras coisas porque ela acarreta que a disputa se faça em condições nitidamente favoráveis ao ocupante do cargo e provavelmente resultará em que ele seja normalmente reeleito.
Dadas as características do eleitorado popular brasileiro, desinformado e politicamente pouco atento, a mera visibilidade da figura do presidente lhe assegura vantagem, independentemente de que a máquina de governo seja ou não usada.
Limitado o direito de reeleição a uma única vez, porém, não creio que os inconvenientes aí contidos preponderem sobre os ganhos representados pela escolha mais rica do eleitor e a possibilidade de que políticas que contem com respaldo popular tenham continuidade. Se supusermos que o eleitor é suscetível de influências espúrias a ponto de transformar o processo eleitoral em contrafação, toda a discussão se tornará irrelevante.
De qualquer forma, assegurada a reelegibilidade como princípio, é um claro contra-senso pretender restringir ações que correspondam ao próprio exercício do cargo.
Isso se aplica, antes de tudo, a uma eventual regra de desincompatibilização, que redundaria no paradoxo de permitir a reeleição do titular e, ao mesmo tempo, exigir que ele deixe de sê-lo. Mas certamente se aplica também a miuçalhas como a de poder ou não fazer inaugurações.
Afinal, o argumento relativo ao enriquecimento das opções do eleitor supõe justamente que ele possa avaliar o desempenho do governo que termina e decidir recompensá-lo ou puni-lo: se o desempenho lhe permite inaugurar obras realizadas, por que proibi-lo de mostrá-las? Tal como no caso da proibição da divulgação de pesquisas, há nisso algo de cerceamento ilegítimo da livre circulação de informações.
Sem dúvida, cabe tratar de neutralizar ou minimizar o risco de distorção ou unilateralidade na informação que chega ao eleitorado, assegurando amplo acesso dos demais candidatos aos meios de comunicação e restringindo, por exemplo, o poder que tem o governo de simplesmente impor-se em redes nacionais de rádio e televisão com objetivos de propaganda.
Mas proibi-lo de fazer inaugurações difere apenas em grau de uma outra proibição de que se poderia cogitar: a de que ele, com motivação "eleitoreira", governe bem. No fundo, naturalmente, democracia é isso.

E-mail: fabwreis@horiz.com.br

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