São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997 |
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Insossas notas de leitura
NELSON ASCHER
Excelente "public-relations" de si mesmo, ele conseguiu aquilo a que todo intelectual subequatoriano aspira no imo do seu ser, mas nem sempre confessa a alunos e seguidores: ser publicado em inglês e francês nos grandes centros mundiais. Ele mesmo, aliás, escrevia nessas línguas seus textos -uma proeza para alguém nascido num país cuja intelectualidade nem sempre domina o próprio idioma. E se, como muitas coisas indicam, essa era mesmo uma de suas aspirações centrais, ele mereceu, sem dúvida, vê-la realizada antes de morrer, pois à sua atuação não faltavam necessariamente méritos. Seus primeiros artigos, escritos ainda na adolescência, revelavam um crítico lido e com a coragem juvenil de enfrentar os poderes do momento, algo bem exemplificado no texto em que atacava a geração de 45. Além disso, nesse começo de carreira, ele estava sintonizado com a literatura (então) recente e não havia desenvolvido ainda seus posteriores preconceitos e/ou desinteresses. Logo depois, um pouco menos jovem, mas não muito, ele esteve entre os primeiros a falarem aqui da Escola de Frankfurt ou do formalismo russo. Em seguida, num país em que só não rende vassalagem absoluta à França o intelectual que se julga superior por saber alemão, ele cuidou de lembrar constantemente que o mundo anglo-americano também pensava e discutia, não raro melhor. Entre seus deméritos há alguns de ordem pessoal que, em princípio, não deveriam prejudicar a justa avaliação de seu legado. Naturalmente, o pior de todos foi ter-se associado ao regime militar. Por mais que fontes isentas garantam que fez bom uso de seus contatos, ajudando oposicionistas perseguidos e todo o resto, isso não o desculpa, pois o problema principal não estava tanto no caráter direitista do movimento, quanto em sua absoluta mediocridade. Em todo caso, essa associação tem sido usada, nem sempre de boa-fé, para, qualificando-o de conservador, descartar seu trabalho. É uma pena, por duas razões: a primeira é a de que Merquior sempre veiculava informação interessante nas áreas que abordava; a segunda é que descartar seu trabalho apenas devido ao conservadorismo equivale também a anistiar suas falhas mais graves. "O Véu e a Máscara", escrito em inglês e publicado na Inglaterra ainda nos anos 70, com um prefácio de Ernest Gellner, é um volume que dá bem a medida de seus prós e contras. Trata-se de uma coleção de sete ensaios em que o autor discute temas de sociologia, antropologia social, história das idéias e outros, analisando o conceito de ideologia, expondo a trajetória do conceito de cultura, sua nova definição pelos românticos alemães, o nascimento, mais ou menos a partir disso, da moderna antropologia, polemizando com o marxismo althusseriano, discutindo a obra de Jürgen Habermas etc., embora tenha suas próprias opiniões, ele as coteja honestamente com as alheias e sempre abre um leque amplo de idéias no qual a omissão intencional ou a deturpação voluntária não são recursos admissíveis. Merquior, como era seu hábito, dispunha das melhores informações e, se não havia lido com absoluta atenção, pelo menos tinha acesso a todas as obras relevantes em qualquer área. Para 138 páginas de texto (incluindo-se o prefácio), ele oferece nada menos que 18 de bibliografia. Não está nada mal. E o que ele faz com tudo isso? Muito pouco. Seus tópicos interessantíssimos são tratados com uma aridez exemplar e, pior, praticamente isenta de idéias realmente originais. Ele se contenta em expor o pensamento alheio, acrescentando-lhe um pequeno julgamento próprio. Seu estilo é burocrático e seus textos, mais do que ensaios (na definição rigorosa do termo), são notas de leitura. Merquior demonstra, neste livro, como em tantos outros, que não era tanto um bicho-papão arqui-reacionário quanto um geniozinho precoce que virou adulto insosso. Mais do que o grande intelectual orgânico do regime militar ou agente do imperialismo, ele foi, até o fim da vida, apenas aluno hiperaplicado, sempre em busca de um mestre a quem pudesse mostrar -em várias línguas- quão bem decora sua lição. Texto Anterior: A obra Próximo Texto: LEIA TAMBÉM Índice |
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