São Paulo, domingo, 13 de julho de 1997
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'Confissões...' é boa exceção

LEON CAKOFF
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nos anos 70 o cinema alemão era comemorado como novo e deslumbrava espectadores pelo mundo com a fertilidade criativa em filmes dirigidos por Kluge, Herzog, Wenders e Fassbinder.
Mas, ao longo das duas últimas décadas, tem sido difícil festejar algo de novo no cinema alemão. A exceção existe, chama-se Dani Levy e o seu quarto longa "Confissões na Noite" acaba de estrear em São Paulo.
Levy brinca de sadomasoquismo sentimental. Como sempre vale-se da musa inspiradora que tem ao seu lado, a própria mulher, Maria Schrader, co-roteirista e atriz do novo filme.
No filme o seu álter ego (Mark Schlichter) faz o marido traído e inconformado em saber que ela prefere repartir a cama com outro (Jurgen Vogel).
Não é a primeira vez que o sentimento de perda afeta o tratamento e o estilo debochado de seus filmes. O seu filme de estréia em 85 - "Du Mich Auch" - tratava de desencantos de uma juventude sem rumo. O seguinte e ótimo "Estive em Marte", de 91, também lançado no país, falava com humor ácido de exílios impossíveis.
No episódio que dirigiu para o arrojado longo "Nova Alemanha", o próprio Levy se autocaricaturava como judeu com pesadelos persecutórios.
Em seus sonhos, Levy se via revelando a origem étnica por intermédio do sexo circuncidado diante de um pelotão inquisitório de neonazistas.
Levy faz o seu personagem retornar ao quarto de hotel em Paris, onde eles começaram a se amar. É noite de Natal e ele quer que a distância e os sentimentos da compaixão guiem os pensamentos.
Mas tem o consolo de um telefone para encurtar a distância entre Paris e Berlim, onde a mulher continua estando entre dois amores, e o sofrimento.
Muitas sequências do filme, sabendo-se que a cobiçada e atrevida Maria Schrader é a mulher do diretor, chegam a ser constrangedoras. Outras são rudes o suficiente só para dilacerar o verbo, abusando do tempo alemão que reserva aos verbos o último posto da construção de uma frase.
Dani Levy e Maria Schrader encontram-se nos diálogos cortantes, ameaçadores, desesperados. Mais na linguagem universal de uma ciumeira incurável do que na identidade alemã com a qual não conjugam neste e renegam em outros filmes.
E os amantes voltam a se ver apesar das ameaças à distância do marido traído... E apesar dos augúrios natalinos.
Saber o que se diz e o que se pretende ganha uma dimensão assombrosa nas solidões do casal separado por essas crises e esses sofrimentos modernos, a metalinguagem defectiva dos que cresceram sem saber na pele o que é sofrer por motivos mais chãos.
O filme é um cínico exercício de eurosofrimento ou euromundanismo, euroflagelação. Tratando-se de um filme de Levy, é como se ele nos revelasse novas variações sadomasoquistas.
Procedentes de um chamado Primeiro Mundo que se dá ao luxo de escolher não só os cenários para aprazer-se como também os para sofrer melhor.
Vale prestar atenção nesses talentos ainda pouco notáveis do cinema alemão. Também seria oportuna a ocasião para a mesma distribuidora Tabu Filmes relançar "Estive em Marte", permitindo um Dani Levy em merecida dose dupla.

Filme: Confissões na Noite
Produção: Alemanha e Suíça, 1996
Direção: Dani Levy
Com: Maria Schrader e Jurgen Vogel
Onde: em cartaz no Espaço Unibanco 1 e na Estação Lumière 1

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