São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 1997
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"Ismos" de Max Ernst chegam a SP

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REDAÇÃO

Depois de Monet, chega a São Paulo mais um astro internacional das artes plásticas.
Mais magro, sem a vasta barba que o pintor francês usava quando produziu as obras em exposição no Masp, e muito menos comportado que o artista de Giverny, Max Ernst (1891-1976) chega trazendo na bagagem a alcunha de o "mais surrealista dos surrealistas".
As 55 esculturas e 95 obras em papel do artista alemão naturalizado francês em exposição no MuBE a partir de amanhã mostram que Ernst foi muito além do "título" dado pelo crítico italiano Giulio Carlo Argan.
Dadamax, nome que o artista assumiu enquanto comandava o W/3 West Stupidia, um grupo de dadaístas em Colônia, na Alemanha, em 1919, não só transitou por outros "ismos" livremente, como bebeu de todas as técnicas com as quais cruzou pelo caminho.
Comandava é modo de dizer. Se houve algum artista que desprezou a disciplina, esse foi Max Ernst. "Odiei os deveres desde o tempo da escola. O mero som da palavra 'dever' sempre me encheu de pavor e de nojo", escreveu certa vez o artista.
Apaixonado pelo inútil, por tudo aquilo que os professores de teologia chamam, segundo Ernst, de "três fontes do mal" (luxúria dos olhos, luxúria da carne e ostentação da vida), ele criou inclusive seus próprios meios de expressão.
No MuBE, por exemplo, estarão expostos exemplos da "frottage", ou fricção, técnica de desenho desenvolvida por Ernst na qual o papel é colocado sobre qualquer material áspero e tratado com lápis, ou giz de cera, até adquirir a qualidade superficial dessa substância.
Como explica o curador da exposição, Fábio Magalhães, ex-conservador-chefe do Museu de Arte de São Paulo e atual presidente do Memorial da América Latina, a frotagem muitas vezes servia apenas de base para outros trabalhos.
Com os traços resultantes do rabisco no papel sobre um objeto, ou uma superfície -Ernst desenvolveu a técnica rabiscando a textura do chão de um hotel- ele "pegava a forma e a imaginava com linhas, criando obras surrealistas".
Magalhães, que organiza para o próximo ano no MuBE mostras de De Chirico e Miró, diz que nos trabalhos gráficos de Ernst encontrou uma relação profunda com as esculturas, elementos centrais da mostra. Os desenhos, gravuras e colagens que estão no museu paulistano também facilitam a observação de uma das características principais do artista.
Essas obras carregam sobre elas uma espécie de nuvem daquilo que Argan chama de "sublime romântico". Ele "trabalha com incertezas, inquietudes dos dois mundos, do consciente e do inconsciente", observa Magalhães.
Essas categorias sempre acompanharam Ernst, admirador de primeira hora dos trabalhos de Sigmund Freud, pai da psicologia.
Se muitos artistas se inspiraram no que haviam sonhado, em Ernst, como anota Argan, não é o sonho que cria a imagem, mas o inverso: "não pinta o sonhado, sonha pintando".
Essa sensação pode ser vivenciada na colaboração de Ernst com o cinema. Segundo Magalhães, ele foi um dos artífices do célebre filme experimental "Um Cão Andaluz", que Luis Buñuel dirigiu ao lado de Salvador Dalí, em 1929.
Haverá uma mostra de filmes de Ernst, ainda sem data marcada. A única das grandes vertentes técnicas pelas quais o artista trilhou e da qual o MuBE não trouxe amostras foi a pintura.
Ernst usava o pincel com maestria, mas, simbolicamente, a falta de telas na exposição é bem aceitável. Como escreveu um dos maiores especialistas em Ernst, o alemão Werner Spies -que fará conferência em São Paulo em agosto-, em texto especial para a exposição, o artista se caracterizou acima de tudo pela busca da arte com a qual "ir além da pintura". "O pintor Max Ernst", escreve Spies, "se inspirou no escultor Max Ernst".
Para entender melhor o universo do eloquente Ernst, basta seguir as suas palavras: "Meu trabalho é como o meu comportamento -não é harmonioso no sentido dos compositores clássicos e sequer no sentido dos clássicos revolucionários. Subversivo, irregular e contraditório..."

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