São Paulo, segunda-feira, 14 de julho de 1997
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Uma reforma agrária presbiteriana

JAIME WRIGHT

Fala-se muito na necessidade de reforma agrária nas propriedades da igreja, referindo-se sempre à Igreja Católica, quase sempre sem dados precisos como aqueles divulgados recentemente em Itaici pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Sem pretensão de colocar a extinta Missão Presbiteriana do Brasil Central (MPBC) como modelo para coisa nenhuma, seria interessante nota de rodapé mencionar a única reforma agrária presbiteriana de que se tem notícia, concluída no Brasil em 1975.
Ela aconteceu na Bahia e em Mato Grosso, promovida pela MPBC, pessoa jurídica no Brasil que administrava os bens da Igreja Presbiteriana Unida nos EUA, com sede em Nova York.
A reforma agrária aconteceu nas três grandes propriedades da MPBC, sem interferência ou pressões de governos. Ela resultou da consciência crítica dos missionários diante das enormes áreas improdutivas que administravam e das carências imensas da gente rural.
As compras originais dessas glebas resultaram dos sonhos de antigos missionários, que vislumbravam comunidades cristianizadoras que teriam o templo como pólo central (catequese), cercado por um colégio (educação), uma clínica (saúde) e uma área agrícola (para a produção de alimentos e a sustentação financeira dos vários serviços).
A gleba mais antiga foi comprada em 1906 na antiga Ponte Nova (BA), hoje Wagner, com 2.817 hectares. Lá surgiram o Instituto Ponte Nova, o Grace Memorial Hospital e a Escola de Enfermagem Ponte Nova. Depois veio Buriti, na Chapada dos Guimarães (MT), com 6.635 hectares. Lá surgiu o Colégio Evangélico de Buriti. Já na década de 40, adquiriu-se a Fazenda Porto Feliz, em Sítio do Mato (BA), com 1.715 hectares. Lá surgiram uma escola primária e uma clínica.
Por muitos anos, os investimentos da MPBC nas áreas agrícolas se resumiram em "demonstration farming" -os missionários mostravam o que os vizinhos poderiam fazer em suas roças se tivessem o dinheiro e o "know-how" norte-americanos.
Fazia-se irrigação com água puxada do rio por possante motor e distribuída por eficiente rede de tubos. Cavava-se com trator um silo horizontal para enterrar o milho até o período de estiagem. Um avião Cessna ficava no fundo do quintal para buscar outras novidades na capital.
Na década de 60, surgiu na MPBC um movimento contra essa forma cínica e egoísta de prestar serviços agrícolas. Em vez de aprimorar o que estava sendo feito com enxadas e foices nas roças vizinhas, a MPBC acirrava, sem querer, as diferenças econômicas e sociais.
Levando em consideração o contexto em que tentava dar o seu recado, o aparato modernoso e a extensão minimamente aproveitada de suas glebas constituíam pura ostentação. No fundo, no fundo, laboravam contra a pregação do Evangelho. Aprovou-se, então, a distribuição das terras disponíveis.
Reconhecendo inexistirem verbas suficientes para a preparação de infra-estrutura completa nas terras disponíveis (como estradas e cercas), a MPBC optou por limitar-se ao principal: dividi-las em glebas que garantissem produção e sustento para, pelo menos, uma família.
Engenheiros agrônomos realizaram exames de solo nas três áreas, após o que fizeram mapas detalhando as glebas para a aprovação do Incra de então e para a redação das respectivas escrituras.
A seleção das famílias contou com a colaboração dos presbitérios de Campo Formoso, Vale do São Francisco e Cuiabá (todos da Igreja Presbiteriana do Brasil). Tive o privilégio de assinar, em 1975, 32 escrituras (com 1.473 hectares) nos cartórios de Itaberaba, Rui Barbosa e Lençóis; 30 (com 1.703 hectares) no cartório de Bom Jesus da Lapa; e 13 (com 1.133 hectares) no cartório de Chapada dos Guimarães.
A MPBC, dissolvida e liquidada em 1976, não teve como acompanhar a evolução desses processos. Mas, pela mídia, conseguimos levantar a opinião pública contra as ameaças de morte ao reverendo José Moreira Cardoso, em Sítio do Mato, pastor presbiteriano que defendia os novos proprietários contra os jagunços contratados por gente mal-intencionada da capital. Levou a causa deles até o Supremo Tribunal Federal e ganhou, é claro. Ele tem muitas histórias para contar.

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