São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 1997
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Racismo: crime de papel

HÉDIO SILVA JR.

Lá se vai quase uma década desde que, pressionado pelo movimento negro brasileiro, o constituinte de 88 criminalizou a "prática do racismo", acrescentando-lhe ainda o gravoso atributo de delito inafiançável e imprescritível. O rigorismo constitucional encerra um comprovado equívoco político: o emprego preferencial do direito penal no enfrentamento da discriminação, tendência divergente da opção predominantemente não-penal adotada, por exemplo, em países como os EUA e a África do Sul.
Pelo menos três pressupostos nos quais se fundamenta a intervenção penal mostram-se incompatíveis com o racismo tupiniquim. Primeiro, o caráter de excepcionalidade da conduta prevista na lei penal, quando a conduta racialmente discriminatória configura algo amplamente disseminado e largamente praticado.
O segundo refere-se ao emprego do método repressivo típico do direito penal, quando o preconceito e os estereótipos antinegro requerem mais prevenção do que repressão, mais persuasão que dissuasão, mais valoração positiva da diversidade racial e menos estéreis retóricas penais.
O terceiro e último consiste no fato de que é da natureza do direito penal preocupar-se, de imediato, com o infrator, olvidando do discriminado.
O resultado desse "imbróglio", além de estampado nas evidências do cotidiano, acaba de ser atestado por uma pesquisa de jurisprudência que fizemos sobre o tema: não há notícia de uma única pessoa cumprindo pena de prisão pelo crime de racismo.
Não se trata, convém ressaltar, de propor a descriminação do racismo, mesmo porque, uma vez reformulada globalmente a legislação pertinente, prosseguirá o direito penal ocupando-se daqueles ilícitos raciais de maior gravidade.
Entretanto resta a necessidade da adoção de leis extrapenais capazes de enfrentar eficazmente a impunidade que reveste e estimula a reprodução da discriminação.
Visando enfrentar esse desafio, advogados e juristas anti-racistas de vários Estados, com apoio do Ministério da Justiça e da Comunidade Européia, estarão submetendo à apreciação dos movimentos sociais um anteprojeto de lei civil de promoção da igualdade.
Trata-se de uma tentativa de regulamentar a responsabilidade civil do discriminador e instituir a reparação pecuniária por danos morais e materiais que afligem as vítimas da discriminação. Que essa empreitada contribua para diminuir a oposição entre a vitória inscrita no texto legal e as sucessivas derrotas do cotidiano.

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