São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 1997
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Física, economia e doidivanas

ANDRÉ LARA RESENDE

O ano é o de 1905. A mecânica clássica de Newton, a sólida termodinâmica do século 19, assim como as relativamente modernas teorias da eletricidade e do magnetismo são a base dos cursos que um respeitado professor ministra, há anos, numa universidade suíça. Um certo dia, o professor recebe pelo correio uma série de artigos assinados por um técnico de terceiro escalão do Escritório Nacional de Patentes.
Ao passar os olhos pelos artigos, o professor se dá conta de que o autor pretende, nada mais nada menos, demonstrar que toda a física que ele ensina está errada. E não apenas marginalmente errada, mas fundamentalmente errada. Qual a reação do professor? Como poderia ele ter percebido que o jovem e desconhecido autor dos artigos, Albert Einstein, não era apenas um doidinho?
É Jeremy Bernstein, em "How Could you Be Sure that Einstein Was not a Crank?", quem se pergunta. Bernstein é um físico competente, premiado pela sua capacidade de escrever, de forma clara e compreensível, sobre temas científicos.
Os físicos, especialmente os que escrevem para o grande público, recebem com frequência artigos de doidinhos com as teses mais estapafúrdias. A grande maioria vai direto para o lixo, sem merecer uma leitura mais cuidadosa. Como distinguir o doidivanas do revolucionário?
Bernstein argumenta que o respeito ao que ele chama de "correspondência" é fundamental. O princípio da correspondência de Neils Bohrs compatibiliza, a partir de um certo limite bem definido, a física clássica e a física quântica. Tome-se uma das teses de Einstein: a de que a massa de um objeto aumenta com a velocidade e tende ao infinito ao aproximar-se da velocidade da luz. A afirmação contraria nossa intuição e a física clássica. Por que não desconsiderá-la simplesmente como uma tese de doidinho?
A razão é que, em seu artigo, Einstein demonstrava que todos os seus resultados novos, aqueles que contrariam o senso comum, desaparecem quando a velocidade da luz é infinita e não apenas muito grande. Na física pré-Einstein, supunha-se que a luz era transmitida de forma instantânea.
O critério da correspondência fica, portanto, respeitado: a compatibilização das teses da relatividade com as teses clássicas ocorre quando as velocidades são pequenas em relação à velocidade da luz.
Os artigos de Einstein, por mais revolucionários que fossem, demonstravam conhecimento da física clássica e expunham de forma clara como seus resultados poderiam ser compatibilizados com ela. Uma peça típica de doidinho, ao contrário, demonstra profundo desconhecimento e desrespeito por todo o acervo de conhecimento acumulado pelos que se dedicaram antes ao tema. O doidinho considera o aprendizado de tudo que se pensou antes dele indigno do seu tempo.
Após tantos anos de exposição aos artigos de doidinhos em física, Bernstein se diz capaz de identificá-los ao cabo de algumas poucas linhas. Ouso afirmar que em economia os doidinhos também são claramente identificáveis. Afinal, os traços psicológicos são os mesmos. A diferença é que os doidinhos da economia vão muito mais longe. A matéria é mais complexa, a teoria menos rigorosa e suas implicações mais controvertidas. Entre políticos, homens de negócios e jornalistas, haverá sempre um público enorme disposto a dar-lhes ouvidos.

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