São Paulo, terça-feira, 15 de julho de 1997
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No trem de Getúlio

CANDIDO MENDES

O flash vai além do recado; Fernando Henrique acenando ao povo, no gradil do trem usado por Getúlio, nos trilhos revolucionários da Aliança Liberal, partindo de Porto Alegre, para derrubar a República Velha. Agora em Minas, o vagão histórico passeia nos ramais líricos do Estado-chave, então, para o sucesso de 30, juntando a Paraíba ao ímpeto gaúcho.
Em que pensamentos se engolfaria, no ranger da composição, o futuro ditador? É refém, agora, de que conjecturas do presidente esse Eduardo Azeredo, quando o tucanato parte para o largo prazo e reavalia dentro do maior pragnatismo as suas alianças políticas?
No passadiço, ao lado de FHC, o governador do PSDB, objeto da ira palaciana, em face do aumento-rendição da polícia mineira, é hoje o protagonista da desmoralização final do discurso diante da nova "realpolitik" de atos, fatos consumados, coalizões inauditas, contra a natureza das expectativas sociais e a coerência partidária.
Claro, o governador continua a gozar de toda a confiança do presidente. Claro, o chefe do Executivo manterá todos os contatos políticos e as articulações que, à hora e sem memória, lhe garantam o esplendor do segundo tucanato.
É ledo e vão o desafogo de Azeredo quando, horas depois, o ministro Malan impede que se embandeire qualquer Estado com a esperança de ter recursos para saciar as polícias militares que saírem de forma para pedir o concedido nas Alterosas.
As contas em dia e a estabilidade orçamentária vêm para ficar, à custa dos tanques prematuros em Minas, tanto é, agora, como garantia à lei e à ordem, que o governo pode chegar a 98 pelo saldo de sucesso do equilíbrio financeiro e da inflação de um só dígito. Não se peça consequência a quem já instalou em eterno presente o seu projeto político, em que conta só o que faz o presidente, como desfaz, como promete, como desdiz.
Convoca-se a sério o Congresso para a sessão extraordinária dedicada à votação das reformas administrativa e previdenciária, já esturricadas de tantos refogados, quando já se sabe que só no novo mandato terão condições de verdadeiro avanço nos plenários do povo em Brasília.
Desmonta-se o impeachment de Santa Catarina, cuja vítima tem respaldo federal, produzido aos olhos do público o inacreditável transformismo dos adversários da véspera em secretários de Estado no dia seguinte. Nada na manga, tudo à flor do sistema e dos disparates que permite a teratologia do situacionismo, diante das velhas consequências internas ou das lealdades de sangue do caciquismo político.
Pactua-se com vastíssima máfia política da Amazônia; expele-se funcionário público federal, responsável pela vedação dos escândalos, em crime continuado da folgança fiscal e aduaneira da Suframa.
Nenhum espanto, nesse andar da carruagem, que o PTB -a mais óbvia das legendas fisiológicas- negocie agora o apoio do governo na aprovação do fundo fiscal, a definitivo esquecimento do processo contra Pedrinho Abrão, protagonista-mor e escancarado da máfia do Orçamento nos tempos do tucanato.
Não há confessionário, arrependimento, conversa real, reunião do ministério, angústias partilhadas d'alma, conversa que não amena, risos que não de salão, no zimbório do silêncio em que repercute a irrevogável solidão do presidente.
Estamos num tempo sem fim, como o que permite a certeza da reeleição de FHC e a construção definitiva do tucanato para preencher o cheque em branco do "day after" do Real e suas benesses. Fomos, sem pestanejar, ao terceiro aniversário do sublime êxito, repetindo-o no novenário das maravilhas -e do mesmo discurso, voltando em nova saída falsa às origens de um governo nascido para o implante da alternativa social-democrata, no país da pós-inflação, de retomada do desenvolvimento.
E o que sobra de relevante, para a campanha da ratificação do presidente, dispensado do palanque até, são os acordos que mudaram o tripé da força real de FHC. Vai, em São Paulo, a Maluf, como Alá é servido; ou, nas Alterosas, a Itamar, ó Minas Gerais. Ou, sobretudo, no Rio, a Cesar Maia, assegurando o que até agora falta ao pefelismo: um governo no centro-sul, que o liberte do êxito emanado dos grotões ou das cubatas de ACM.
Quem diria que o tapete real do segundo mandato passaria à distância da renovação também dos mandatos da trinca dos Estados-chave, de tucanos da fé e príncipes do sistema. A tranquilidade do bis permite a FHC um primeiro retrato diante da história, no seu perfil dividido entre Campos Sales e Juscelino Kubitschek. Mas, entre os dois, na verdade, o que avança é o ídolo "in petto" do ilustre passageiro do trem de Vargas.

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