São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 1997
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A crise no Sudeste Asiático e o Brasil

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Perdoe-me o leitor se volto a insistir no tema da semana passada (o Osiris Lopes Filho sustenta que eu estou tão ancorado no câmbio quanto o governo). Mas os eventos dos últimos dias constituem, inegavelmente, um bom motivo para retomá-lo.
Da Tailândia, a instabilidade se espalhou para outros países do Sudeste Asiático, como a Malásia, a Indonésia e as Filipinas. A Indonésia foi levada a ampliar a banda cambial da rupia. O banco central das Filipinas fez uma mudança mais fundamental: desistiu da custosa defesa de uma banda cambial estreita e optou por deixar o peso flutuar, provocando sua imediata depreciação.
A turbulência ameaçou propagar-se para outras regiões do mundo. Na Europa Oriental, moedas de países com déficits externos elevados ficaram sob pressão. O zloty da Polônia, por exemplo, depreciou-se 5% anteontem, aproximando-se do limite inferior da banda cambial estabelecida. Em alguns países da América Latina, notadamente no Brasil, as Bolsas de Valores caíram.
Enquanto isso, a equipe econômica brasileira tentava negar a relevância da crise cambial do Sudeste Asiático para o Brasil. Imediatamente antes do colapso das Bolsas brasileiras, um certo diretor do Banco Central cobriu-se de ridículo ao declarar que os infortúnios da Tailândia e de outros países daquela região eram "bons para o Brasil", uma vez que com isso diminuía o número de concorrentes nos mercados internacionais de capital...
Não vamos citar o seu nome. Conta Nelson Rodrigues que na antiga imprensa carioca havia um editor de jornal que era contra, simplesmente contra, o ponto parágrafo. "É um espaço perdido", pontificava ele. Pois bem. O nome do referido funcionário do Banco Central seria outro espaço perdido e irrecuperável.
Para quem tinha alguma dúvida, o presidente da República esclareceu, na terça-feira, a quem devem ser atribuídas as decisões em matéria cambial. Por intermédio do seu porta-voz, Fernando Henrique Cardoso fez saber que "a questão da política cambial é uma questão de governo e, portanto, diretamente subordinada ao presidente da República". Marquem bem essas palavras, para que não haja dúvidas a respeito de quem deverá ser responsabilizado por eventuais crises futuras.
Os episódios internacionais recentes só vieram reforçar as preocupações com a vulnerabilidade do real. Ainda há tempo para enfrentar o problema, mas as pressões estão se avolumando. Nos meses recentes, além das moedas acima citadas, diversas outras têm se desvalorizado em relação ao dólar. Em maio, a República Tcheca, por exemplo, também passou para um regime de flutuação, permitindo a depreciação da coroa. Além disso, o marco alemão e as demais moedas da União Européia vêm sofrendo depreciação significativa relativamente à moeda dos EUA.
Como o real está ancorado no dólar, a valorização desse último em relação a terceiras moedas exacerba o problema da excessiva valorização da moeda brasileira. Mas, segundo a equipe econômica, não há problema algum, pois os déficits externos resultantes da apreciação cambial poderão ser financiados sem susto. Aparentemente, só há no momento dois lugares para se investir no mundo: o Sudeste Asiático ou o Brasil. O dinheiro que está fugindo de lá virá fatalmente para cá.
Na verdade, as turbulências no Sudeste da Ásia, e em especial o colapso do peso filipino, confirmam, e até reforçam, os receios provocados pelos episódios anteriores. Observe-se, por exemplo, que a posição de balanço de pagamentos das Filipinas era melhor do que a do México ou a da Tailândia. Esses dois últimos países apresentaram déficits em conta corrente da ordem de 8% do PIB antes das suas crises cambiais, dados que vinham sendo abundantemente citados pelo governo brasileiro para explicar porque o caso brasileiro é "diferente".
Acontece que o déficit filipino é de cerca de 4,5% do PIB, valor que coincide constrangedoramente com o resultado previsto pelo próprio governo para o Brasil em 1997.
Não é à toa que os mercados andam nervosos. Com a crescente mobilidade internacional de capitais, moedas valorizadas e âncoras cambiais tornaram-se cada vez mais difíceis de defender no médio prazo. Em determinadas circunstâncias, ataques especulativos poderosos, alimentados pela enorme massa de recursos voláteis em circulação nos mercados internacionais, podem resultar em pressões irresistíveis contra bancos centrais comprometidos com câmbio fixo, prefixações ou bandas cambiais estreitas.
E a experiência tem mostrado que o custo econômico e social dessas crises cambiais pode ser extremamente elevado.

E-mail: pnbjr@ibm.net

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