São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 1997
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Brasil 1997: mais ou menos democrático?

EMIR SADER

Esperava-se um balanço mais abrangente e mais consistente do que o apresentado pelo presidente Fernando Henrique (Folha, 29/6), depois de três anos de Real e em plena campanha pela reeleição. Tanto pelo que se diz como pelo que não se diz, em termos sociais e políticos, o balanço é decepcionante.
Os malabarismos estatísticos não respondem ao que a opinião pública lê todos os dias e a tudo aquilo com que a cidadania convive cotidianamente.
Por exemplo: que a renda dos 10% mais ricos, comparada à dos 40% mais pobres, continua a crescer. Que a massa salarial paga pela indústria diminuiu 7,4% em um ano (de 1995 para 1996). Que a população de rua segue crescendo: de 1994 a 1996 subiu 17%. Que o país tem 19 milhões de analfabetos.
Que o gasto "per capita" em saúde caiu de novo em 1996, desta vez 7,6%. Que doenças desaparecidas, como a febre amarela, retornam com força. Que o país baixou dez lugares no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.
Que o desemprego em São Paulo ultrapassa os 16%. Que a renda dos mais pobres tem forte queda, e o número de trabalhadores sem carteira assinada aumenta. Que se gastou mais com o Proer do que com a saúde. Que pelo menos as verbas publicitárias da saúde, do trabalho e da Previdência aumentaram, como convém em campanha.
A menção desses fenômenos, retirados ao acaso do noticiário e dos levantamentos de órgãos oficiais, aliada à preocupação prioritária da população com o emprego, a reforma agrária e a violência urbana -em todos, o governo não somente não pagou a conta, como a multiplicou-, bastaria para demonstrar a precariedade, a parcialidade e a falsidade do balanço presidencial, típico de campanha.
Numa ótica mais ampla, nos perguntamos: o Brasil se tornou um país mais democrático nestes três anos?
O tema da democracia passou a estar ausente da pauta das elites dominantes desde que elas conseguiram impor a prioridade na questão do déficit fiscal, em lugar da justiça social.
A questão da reforma do Estado, por exemplo, não está associada à da sua democratização, mas à do equilíbrio fiscal, à da redução dos seus custos -à custa, como sabemos, dos mais fracos, das políticas sociais e dos salários do funcionalismo, e não dos ricos, aquinhoados com o Proer, com as isenções, os subsídios, os perdões fiscais, a conivência com a sonegação, os créditos. Portanto, na direção oposta.
Os dados mencionados bastam para demonstrar que, socialmente, o país não é mais democrático. Os partidos estão mais debilitados, assim como o Congresso, o Judiciário, os sindicatos, as associações populares, os movimentos sociais -todos construídos ou reconstruídos com tanta luta e esforço nos combates contra a ditadura.
Pergunta-se: o poder do capital financeiro aumentou ou diminuiu? Os meios de comunicação estão mais democratizados ou menos? A cidadania está mais organizada e com mais poder de defesa de seus interesses ou menos? A Presidência da República é mais ou menos autoritária do que era?
O governo teve o "azar" de Collor não ter realizado o trabalho mais sujo do neoliberalismo, como aconteceu no Reino Unido com Thatcher e nos EUA com os 12 anos de governos republicanos. Pergunta-se a FHC o que acha de medidas como as de Blair, de taxar os capitais privatizados para criar empregos para os jovens, ou as de Jospin, aumentando o salário mínimo e reduzindo a jornada de trabalho de 39 para 35 horas sem redução do salário.
Resta saber se, controlada a inflação, os brasileiros não se pronunciarão -como os franceses, os britânicos, os mexicanos e, proximamente, os argentinos- por um governo pós-neoliberal, que recoloque as questões sociais e da democracia política como prioridades nacionais. As urnas -embora condicionadas pelos milionários gastos governamentais e pela manipulação marqueteira-, as ruas e os campos o demonstrarão nos próximos meses.

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