São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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A arte do "esquentamento"

LUÍS NASSIF

Entrevista na porta do Ministério das Comunicações. O ministro Sérgio Motta fala sobre a necessidade de um projeto de desenvolvimento. Diz que a estabilidade é fundamental, mas não se pode descuidar de um projeto de desenvolvimento. Afirma que Gustavo Franco está errado, em não pensar esse ângulo da questão. Junta argumento em favor da tese de utilizar os recursos da privatização para projetos sociais e de desenvolvimento e não apenas para reduzir dívida pública.
Não se fala em política cambial.
Mas um setorista de uma agência de notícias acha que encontrou sua manchete: Sérgio Motta critica Gustavo Franco. É um grande prato, que poderia ser prejudicado se se deixasse claro que as críticas se referiam apenas à destinação dos recursos da privatização. Para não se perder o mote, divulga-se que a crítica foi contra a política cambial.
Graças a essa fina flor do moderno jornalismo -"esquentamento" de notícias, como se diz-, a "notícia" foi para terminais, em um dia de nervos à flor da pele, em função das especulações cambiais no mercado asiático.
Balançou o mercado inteiro e acabou se tornando irreversível (pelo menos no primeiro dia). Setoristas que nada tinham ouvido sobre o assunto foram pressionados pelas respectivas redações a "recuperarem" a notícia -que, a rigor, não existia.
No dia seguinte, jornais retificaram a questão; quem mais exagerou, não quis dar o braço a torcer. Não houve um só punido pela "barriga".
Conclusão: Bolsas caindo vertiginosamente em um dia; Bolsas subindo vertiginosamente no outro, milhares de pessoas perdendo dinheiro, centenas de pessoas ganhando.
Houve dois prejuízos inestimáveis nessa história -e não foi na imagem do ministro Motta.
Um, dos investidores que perderam dinheiro por terem sido enganados por notícias falsas. Outro, da própria imprensa como um todo, que sai mais uma vez arranhada do episódio, por culpa de dois ou três.
Jornalismo 2
Agora que se comprova que ocorreu uma explosão intencional com o avião da TAM, como é que ficam todos os palpites e avaliações sobre a qualidade da manutenção da empresa? Como ficam as acusações contra o passageiro vitimado?
Mais uma vez, a dificuldade de análise, o emburrecimento do raciocínio em bloco, esse jogo marqueteiro de não perder uma oportunidade para demonstrar "como eu sou indignado", permitiram a parte da mídia afetar reputações de maneira indelével.
Escola Base, bar Bodega, caso Cláudia Liz, Bamerindus ou Fokker da TAM, não importa. Grandes ou pequenos, ninguém está a salvo desse jogo que, volta e meia, arrasa reputações de maneira indelével.
Está na hora de começar a discutir a sério a criação de um conselho de auto-regulação. Enquanto a própria mídia não definir formas de punir (pela obrigação de retificar com destaque) notícias inverídicas, não vai conseguir avançar na direção de um jornalismo mais técnico e mais ético.

E-mail: lnassif@uol.com.br

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