São Paulo, sexta-feira, 18 de julho de 1997
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Relevância é apenas política

JOHN CARLIN

A mais recente calamidade que acometeu a Mir chamou a atenção pública ao segredo desonroso que a Casa Branca e outros defensores da cooperação russo-americana na estação espacial optaram por ignorar: que as despesas e os riscos do empreendimento já se tornaram totalmente desproporcionais a seu valor científico.
O que os cientistas poderiam haver aprendido com a trôpega estação espacial, já aprenderam. Se os EUA derem continuidade a seu compromisso, devem fazê-lo declaradamente cientes de que o retorno será político, e nada mais.
"Não tem nada a ver com ciência", disse John Pike, diretor do projeto de política espacial da Federação de Cientistas Americanos. "A Mir é uma declaração contundente e visível de que a Rússia e os EUA são parceiros, não adversários. Uma razão pela qual sabemos que a Guerra Fria terminou é que russos e americanos estão cooperando no espaço, o que é uma coisa boa. Faz muito sentido politicamente, mas, como projeto científico, é inútil."
Um ganho científico palpável que a Nasa obteve com o projeto Mir foi descobrir que o ônibus espacial consegue acoplar-se à estação espacial.
Mas James Lovell, o astronauta que sobreviveu à malfadada missão Apolo-13, observou que, depois de cinco missões desse tipo, os EUA já dispõem de todas as informações de que precisam sobre acoplagens. Outro objetivo era aprender mais sobre a capacidade de sobrevivência do corpo humano durante longos períodos de ausência de gravidade. Mas o consenso reinante entre os cientistas americanos é que, também sobre isso, os EUA já sabem o que precisam.
"A Mir fez um trabalho excepcionalmente bom", disse Lovell na semana passada. "Agora chegou sua hora de aposentar-se com honras."
Acalmar os russos
Não é esse o ponto de vista da Casa Branca, que, ansiosa por acalmar os russos após as tensões geradas pelos acontecimentos recentes envolvendo a Otan, se mantém publicamente comprometida com o projeto. Mas resta ver se o presidente Clinton vai aprovar os planos atuais de enviar mais dois astronautas americanos à Mir depois do retorno dos tripulantes atuais, programado para agosto ou setembro.
Depois do quase desastre de ontem, ele quase certamente será pressionado pelo Congresso a cancelar esse compromisso. James Sensebrenner, o deputado republicano que chefia o Comitê de Ciências da Câmara dos Deputados, disse: "Eu, pessoalmente, não posso mais assistir calado a um acidente após outro, enquanto continuamos a planejar a próxima missão do ônibus espacial à Mir, esperando, mas não confiando realmente, que a missão seja bem-sucedida e não incorra em situações que coloquem em risco a vida dos astronautas".
Antes do incidente de ontem, Sensebrenner havia pedido que a Nasa fizesse uma revisão completa da segurança a bordo da Mir. Até agora ele não foi atendido, mas, da próxima vez em que pedir, poderá contar com apoio mais amplo de seus colegas no Congresso.
A opinião prevalecente hoje é que nenhum outro astronauta americano deve ser enviado à estação até que a Nasa esteja disposta a oficialmente pronunciá-la livre de problemas.
"Os sinais são inequívocos: enviar astronautas americanos à Mir é como enviá-los ao perigo", dizia um artigo escrito da Clear Lake Group, uma organização de pesquisas em política espacial, sediada em Houston. "As viagens espaciais são inerentemente perigosas. Manter um astronauta na Mir é um ato de imprudência total."

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