São Paulo, sábado, 19 de julho de 1997
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Reformas inúteis

AMÉRICO MASSET LACOMBE

Causou certo espanto a pressão inusitada de empresários em prol das reformas administrativa, previdenciária e tributária.
O espanto, é claro, não decorre da pressão em si. Afinal, qualquer cidadão ou grupo tem direito de pressionar por suas idéias, desde que respeite os limites éticos. O espanto é decorrente da inutilidade de pelo menos duas dessas reformas. Não abordo a previdenciária, visto que não sou um estudioso da matéria. Mas as demais são inúteis e o governo tem perdido prestígio e popularidade com negociações para sair vitorioso por nada.
A reforma tributária pode ser feita sem qualquer emenda, bastando o uso adequado da lei ordinária. Isso porque a Constituição não cria tributos, mas autoriza as pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e municípios) a criá-los.
Portanto, quando os empresários pedem eliminação do IPI, estão pedindo algo que pode ser feito por lei ordinária, bastando que toda a sua legislação seja revogada, ou as alíquotas, reduzidas a zero.
Não há nenhum interesse da União em retirar da Constituição a sua competência para instituir o IPI. A conveniência de não cobrá-lo hoje pode ser sucedida pela conveniência de cobrá-lo amanhã.
Note-se ainda que o interesse do governo pela reforma tributária não é idêntico ao dos empresários e dos cidadãos em geral. Enquanto o governo quer reduzir as limitações ao poder de tributar (artigos 150 a 152) -o que é impossível, por configurarem direitos e garantias individuais, portanto, cláusulas pétreas-, os cidadãos, entre eles os empresários, pretendem menor carga tributária. Ora, a diminuição da carga tributária pode ser feita por lei ordinária.
No que concerne à reforma administrativa, temos de esclarecer alguns pontos erroneamente veiculados pela mídia. Em primeiro lugar, não é verdade que a atual reforma acabe com a estabilidade. Isso é uma deslavada mentira. É certo que aumenta o período probatório, mas, depois, o funcionário será tão estável quanto hoje.
Em segundo lugar, é falso que pela lei atual não se possa demitir o funcionário ineficiente. O artigo 132 da lei nº 8.112, de 11/12/90, arrola entre os casos de demissão o abandono e a inassiduidade habitual, casos extremos de ineficiência. Mas no item 13 do mesmo artigo está também relacionada a transgressão dos incisos 9 ao 16 do artigo 117. E este, no inciso 15, diz: "(...) proceder de forma desidiosa". Ora, desídia significa preguiça, indolência, negligência, desleixo, descaso, incúria. São manifestações óbvias de ineficiência.
Quando presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em dois anos demitimos nove funcionários estáveis. E foram apenas dois por corrupção, sendo os outros sete por ineficiência (desídia ou inassiduidade).
E não se diga que o procedimento é trabalhoso. É e continuará sendo, pois a garantia de ampla defesa continuará a existir -nem poderia ser diferente, devido ao texto constitucional.
De forma que nossos governantes ou não sabem demitir ou não querem.

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