São Paulo, sábado, 19 de julho de 1997
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Realização de lucros faz parte da história

NOENIO SPINOLA

Quando as ações escorregam nas Bolsas de Valores, uma das explicações mais comuns para a queda é a "realização de lucros". Compradores da baixa vendem na alta. Embora lógica, essa versão para os picos e vales dos índices levados por estouros da boiada não explica tudo. Quem olhar além do palco e investigar seus bastidores verá que há muito o mercado deixou de ser apenas emocional.
Os investidores institucionais, por exemplo, representam cerca de 18,6% dos participantes da Bovespa; outros 27,3% são estrangeiros; 3,3% são empresas privadas ou públicas; 39,7% são instituições financeiras. As pessoas físicas se limitam a 10,4%.
O que haverá nos espelhos distantes das Bolsas do mundo rico? Mais de 80% dos norte-americanos investem hoje em ações por meio de fundos mútuos. Mulheres, latinos, minorias negras tomaram parte do espaço que antes pertencia às grandes fortunas, à classe média alta e aos administradores de carteiras voláteis. Tudo isso junto (mais as taxas de juros) age e reage de forma complexa entre picos e vales.
Nos 12 meses passados, por exemplo, o IBX rendeu 75,8%. O IBX é um índice complementar da Bovespa, que mede uma carteira com cem papéis e dilui o peso da Telebrás. A valorização dos índices estimulou a compra de cotas de fundos, uma forma saudável de democratizar o mercado. As ações subiram de 4% para 12% das carteiras.
Se os gerentes cometeram algum erro na administração desse "boom" (e por isso estão perdendo clientes), foi não ter lembrado que o dinheiro dos cotistas é aplicado em algumas das 543 companhias de capital aberto listadas na Bolsa. A Bolsa é apenas um espelho.
Seus índices refletem lucros, dividendos a longo prazo e a capacidade dos próprios fundos de vender ações a qualquer momento (liquidez). A liquidez é importante quando o investidor adolescente foge, assustado com a Tailândia ou com Brasília. Poucos investidores lembram que o dinheiro não se reproduz por magia negra na Bolsa.
Por culpa da falta de educação para o longo prazo, o Brasil convive com montanhas-russas no mercado, e a "realização de lucros" vira uma paródia da história do atleta sexual que, depois da centésima performance no Maracanã, pediu tempo. Foi vaiado.
Convém lembrar que cerca de US$ 250 bilhões em investimentos giram hoje no mundo por ano, cinco vezes mais que em 1990. As decisões de investir, daqui ou de fora, deixaram de seguir razões de Estado: pedem empresas sólidas e governos com programas consistentes de reestruturação.
Na média, os fundos que conferem mandatos a administradores profissionais de carteiras têm entre 40% e 60% do seu patrimônio em ações. Uma parte cada vez maior das ordens atinge esses canais por meios eletrônicos, remotos e impessoais. É dinheiro de trabalhadores, que aposta na saúde das empresas e ignora os atletas sexuais.

E-mail: noenio@ibm.net

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