São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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Ator refletiu estado de espírito da América

JOSÉ GERALDO COUTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dizer que James Stewart (1908-97) foi um dos mais completos, versáteis e representativos atores de Hollywood é chover no molhado.
Sua carreira resume meio século de história -e não apenas do cinema, mas de todo o imaginário popular norte-americano.
Basta atentar para seus momentos mais célebres e característicos. Nos anos 30, quando a América sofria a Depressão, mas ainda era capaz de sonhar, ele foi o idealista romântico de filmes memoráveis de Frank Capra, como "Do Mundo Nada Se Leva" (1938) e "Mr. Smith Goes to Washington" (1939).
A guerra -de que Stewart participou como coronel da Força Aérea, sendo condecorado como herói- acabou com qualquer ingenuidade. Talvez por isso, em seu último Capra, "A Felicidade Não Se Compra" (1946), o sentimentalismo pareça já um tanto deslocado e fora do tom.
Em 1948, o encontro com Alfred Hitchcock em "Festim Diabólico" serviu para delinear um novo perfil para o ator, aperfeiçoado nos anos seguintes: o do homem comum, perplexo e vulnerável diante do mal.
Paradoxalmente, foi com Hitchcock -em geral tão avesso à "interpretação"- que Stewart mais ampliou seu registro interpretativo, acrescentando matizes e nuances a suas caracterizações.
Em "Festim Diabólico", por exemplo, ele é um professor que aos poucos se dá conta do crime praticado por seus discípulos, pretensamente de acordo com as idéias do mestre. A revelação acontece numa festa em que o professor bebeu bastante.
A performance de Stewart é um primor de sutileza: a certa altura, o espectador já não sabe se ele está bêbado de fato ou apenas finge estar para incentivar os jovens a confessar seu crime. Em sua expressão misturam-se a ironia, o cinismo e o horror contido.
Também em "Janela Indiscreta" (1954) e em "Um Corpo que Cai" (1958) a impotência diante de um mundo inapreensível e movediço dá o tom.
O desencanto do pós-guerra (e da Guerra Fria) aparece também num faroeste crepuscular como "O Homem Que Matou o Facínora" (1962), de John Ford, e no malicioso drama de tribunal "Anatomia de um Crime" (1959), de Otto Preminger.
A América tinha perdido definitivamente a inocência -e James Stewart, a sua mais perfeita tradução, nunca mais voltaria a ser o ingênuo Mr. Smith.

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