São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 1997
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Deixem Versace em paz

ALBERTO DINES
COLUNISTA DA FOLHA

Qualquer assassinato flagra a desumanização do homem. A mim indigna mais a morte do soldado trucidado no Recife -porque os agentes da ordem estavam fazendo desordens- do que a brutal liquidação de Versace em Miami.
O alvoroço da mídia brasileira neste caso não difere muito do episódio do assassinato de uma brasileira no Central Park que tanto empolgou editores/leitores no exato momento em que ocorria a 30ª ou 40ª chacina na periferia paulistana daquele ano, relegada aos cadernos mais obscuros.
Nossas elites (que fazem e consomem jornais) são deslumbradas pelas lantejoulas. Formadas pela mídia, sem outras fontes para a criação de valores, acabam alimentando-se mutuamente com a mesma futilidade. O resultado é esta celebração pela celebração, a dramatização do vazio que não deixa de ser vazio só porque ocupa grandes espaços na imprensa.
Pior: vivemos macaqueando o que de pior faz a imprensa do Primeiro Mundo. O fato de o "Financial Times" ter acompanhado o caso Versace na primeira página não qualifica a vítima, era um homem de negócios como milhões de outros. Mais narcisista, em função das desfunções do ramo. Fariam o mesmo com George Soros, só que nos últimos dias sofremos um bocado graças às malandragens cambiais de Soros nas jaulas dos Tigres Asiáticos e nem nos demos ao trabalho de saber quem era Soros.
Considere-se também que no hemisfério norte é verão, minguam os assuntos e os jornalistas mais qualificados -quem fica no comando das redações é o terceiro ou quarto escalão. Lady Di, Elton John e Sting, elegantérrimos, de preto, numa magnífica catedral de Milão são um prato -melhor do que enchentes na Europa Central.
A badalação -à qual não faltam indícios de malícia e preconceitos pequeno burgueses sobre o mundo gay- tende a aumentar e não será impossível que logo despenquemos no segundo round, a habitual vitimização do assassino.
Gianni Versace foi autor de um livro, "Do Not Disturb", na realidade um álbum, que os americanos chamam de "coffee-table book". Seja feita a sua vontade, não o incomodem. Melhor para a sua memória e para a nossa pauta de tragédias.

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