São Paulo, sábado, 26 de julho de 1997
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Sankai Juku aproxima o Ocidente do Oriente

ANA FRANCISCA PONZIO
ENVIADA ESPECIAL A CHATEAUVALLON

Sob um céu estrelado de uma noite de verão, o Sankai Juku inaugurou neste mês o Festival de Dança de Chateauvallon (França), onde um enorme palco ao ar livre, construído no alto de uma montanha, acolheu este grupo que retornará ao Brasil em outubro (em São Paulo, as apresentações serão do dia 23 até o dia 26, no teatro Sérgio Cardoso).
Segunda geração do butô (movimento artístico que surgiu no Japão no início dos anos 60, liderado por Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata), o Sankai Juku continua explorando ambientações cênicas deslumbrantes.
Para Ushio Amagatsu, bailarino e coreógrafo que fundou o Sankai Juku em 1975, a força das imagens é uma das prioridades de seus espetáculos.
"Antonin Artaud dizia que a metafísica penetra nos espíritos por meio da pele. Eu digo que é por meio da retina", diz Amagatsu, que visitou o Brasil pela primeira e única vez em abril de 1988, quando o Sankai Juku participou do Carlton Dance Festival.
Já naquela época, Amagatsu e seu grupo haviam se transferido para a França, que subvenciona parte de seus espetáculos. A cada dois anos, o Théâtre de la Ville, de Paris, sedia novas criações da companhia.
"Depois da vinda para a Europa, conheci o sentimento da diferença, e, desde então, meu trabalho se baseia nessa experiência. Um de meus temas principais é revelar o que pode existir em comum entre estas culturas distintas, a ocidental e a oriental", disse Amagatsu à Folha.
"O que existe em comum é, por exemplo, uma definição do homem. O que me interessa particularmente é perceber o diálogo que se instala entre a pessoa e seu ambiente, o homem e a natureza que o cerca, a mitologia que o envolve a partir do lugar onde ele nasceu", prossegue.
Segundo Amagatsu, ao examinar as artes primitivas da África, da América e da Europa, é possível encontrar pontos comuns. "O nascimento do mundo a partir do ovo é uma idéia que encontramos na mitologia de vários países. No budismo, e mesmo no cristianismo, essa idéia é importante."
Com seu elenco de cinco bailarinos, Amagatsu integra a água ao meio ambiente do espetáculo. Dançando dentro de uma piscina de dez centímetros de profundidade, que ocupa todo o palco, o elenco inscreve dentro desse cenário um ciclo de vida e morte.
Nessa espécie de jardim aquático, repousam ovos enormes (como de avestruz). Em certo momento, Amagatsu surge como o sacerdote de um ritual, para fazer com que um dos ovos, suspenso por um fio, se mova no espaço.
Mais adiante, sob a pressão da água, esse ovo explode, sugerindo a liberação da vida e o caminho em direção à morte.
"O ovo é uma forma que possui dois centros", explica Amagatsu. "Por meio de um vértice central, os dois cones do ovo estabelecem uma inversão, como uma ampulheta."
"Por natureza, essa imagem chega às nossas retinas de forma invertida, por meio dos dois cones de luz, cujos vértices se juntam no cristalino de nossos olhos. Todas as imagens do mundo são feitas de imagens inversas, porque somos um centro entre passado e futuro."
Para desenvolver essas idéias em "Unetsu", Amagatsu também procurou utilizar a partitura musical como um fluxo inverso à dança. "A música não acompanha os movimentos dos bailarinos", salienta.
"Não pretendo representar a cultura japonesa. A dança, em qualquer tradição ou em qualquer país, apresenta um diálogo entre o corpo e a gravidade", afirma Amagatsu.
"Para mim, o movimento se resume a duas forças essenciais -a tensão e o relaxamento-, e é a partir desses dois elementos que a dança se desenvolve."

A jornalista Ana Francisca Ponzio viajou a Chateauvallon a convite do evento "Comfort em Dança".

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