São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Líderes aprenderam com adversários

XICO SÁ; WILSON TOSTA
DO ENVIADO ESPECIAL E DA SUCURSAL DO RIO

Os líderes das manifestações policiais na maior parte dos Estados têm em comum o fato de terem aprendido táticas com seus antigos adversários: sindicalistas ou funcionários públicos que, no passado, fizeram o que eles pregam agora -greves.
O soldado Renato Ribeiro, 40, aprendeu a "fazer greve" enquanto reprimia paralisações de outros trabalhadores ou funcionários públicos em Pernambuco.
Na sua primeira experiência como um dos líderes da greve da PM, Ribeiro adota os jargões que assimilou de outros "companheiros" e comanda a tropa.
Divorciado, pai de quatro filhos, o líder conta que o curso superior de Direito, incompleto, também o ajudou a "azeitar o palavreado" para fazer discursos e negociar com autoridades do governo.
Ribeiro tem um grau de escolaridade bem diferente dos seus colegas. A maioria dos soldados pernambucanos não chegou a concluir o 1º grau.
A mistura dos jargões de esquerda com pitadas de termos jurídicos deu projeção ao líder.
Em pouco menos de um ano, ajudado também pela forte crise na remuneração da tropa, ele chegou a coordenador da Associação de Cabos e Soldados, que funciona na prática como um sindicato dos militares do Estado.
"A nossa luta não é política, mas a favelização da tropa tem despertado a consciência de muita gente", diz. "Essa greve mudo a cabeça de todos nós."
A associação não está ligada formalmente a nenhuma central sindical, mas é transparente a simpatia dos seus diretores pela CUT.
No Rio, líder 'vigiava'
No Rio, o homem que lidera o movimento sindical dos policiais civis integrou, de 83 a 87, um dos órgãos encarregados de, entre outras coisas, vigiar o sindicalismo, no fim do regime militar e início do governo Sarney (85-90).
Uma década depois, o inspetor Cláudio César Russo da Cruz, 40, recorda com naturalidade o tempo em que era do DIE (Departamento de Investigações Especiais), sucessor do antigo Dops (Departamento de Ordem Política e Social).
"Já era outra época, durante o primeiro governo Leonel Brizola (PDT)", afirma.
Fundador em 95 do Núcleo de Defesa dos Policiais Civis do Rio, o agente, há 19 anos na corporação, diz que participou como cidadão da campanha das Diretas Já. "Os colegas achavam natural, sempre tive fama de irreverente", conta.
Cruz atualmente é controlador de carros na Polícia Civil, mas já passou por várias delegacias, como investigador. Seus vencimentos de inspetor de 2ª categoria são de R$ 841,03 brutos -que, com descontos, viram R$ 676,36.
Sem carro próprio, o policial mora no Grajaú, bairro de classe média na zona norte, em imóvel que está pagando há anos com ajuda da mãe. Além dele, diz, seu único bem é uma linha telefônica.
"Falta um semestre para que eu me forme em direito pela Universidade Estácio de Sá", diz ele. "Mas não tenho como pagar as mensalidades."
O inspetor virou liderança da categoria depois de participar de algumas tentativas de greve e de integrar a diretoria do Sindicato dos Policiais Civis, fundado em 94. Expulso, juntou-se a diretores dissidentes e fundou o núcleo, entidade sem sede e sem quadro social.
"Conseguimos mexer com tudo", comemorava ele, enquanto os colegas chegavam para a manifestação no dia 23, na Candelária. "O governo acelerou um plano de carreira que estava parado havia três anos e já fala em dar 80% de aumento para os PMs."
O inspetor filiou-se ao PDT no início dos anos 80, mas garante que há muito tempo só vota no PT.
(XICO SÁ e WILSON TOSTA)

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