São Paulo, domingo, 27 de julho de 1997
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Técnica é aborto de proveta?

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A ciência da chamada "reprodução assistida" e a ética estão envolvidas em uma disputa sem fim. A cada avanço da pesquisa, surgem múltiplas questões éticas associadas, às vezes semelhantes a algo já praticado pela medicina, às vezes inéditas, como na discussão ainda hipotética sobre "clones".
É por isso que a mais influente das associações de médicos e pesquisadores do planeta nessa área, a Sociedade de Fertilidade Americana, tem se empenhado em periodicamente emitir "considerações" sobre o tema. E uma das áreas mais delicadas é conhecida pela sigla PGD -do inglês para Diagnóstico Genético Pré-implantação.
Na recente reunião da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em Belo Horizonte, o geneticista Sérgio Danilo Pena lembrou que cerca de 10% das verbas do Projeto Genoma -programa para mapear o código hereditário humano- têm sido designadas para estudos éticos. Com isso, em um futuro não tão distante, será possível conhecer as bases genéticas de uma pessoa com um simples exame do seu DNA (ácido desoxirribonucléico, o suporte bioquímico do código).
O velho espectro é o da eugenia, o suposto "melhoramento" da espécie humana por meio de técnicas reprodutivas, mais ou menos como se faz com o gado. Quanto mais precisos os testes feitos em um embrião antes de sua implantação, maiores os detalhes conhecidos sobre aquele projeto de ser humano.
O tipo de informação obtido desses exames é a matéria-prima da polêmica ética que agora começa.
A Sociedade de Fertilidade Americana afirma que existe "forte justificativa ética" para o uso de PGD na prevenção de doenças hereditárias que afetam drasticamente a vida da pessoa. Que mulher implantaria no útero um embrião com a doença de Tay-Sachs, que mata infalivelmente a criança com 3 ou 4 anos?
A grande vantagem da PGD é a possibilidade de fazer os testes antes da gravidez. Enquanto está apenas na proveta, o embrião não teria o mesmo peso emocional daquele que já estivesse na barriga da mãe. Católicos estritos, por exemplo, não podem abortar. O teste genético do embrião "pré-implantação" evitaria o dilema.
Mas nem todos acham que isso seja correto. O embrião já é um protótipo de ser humano, resultado da fecundação de um óvulo por um espermatozóide. Para alguns, seria meramente a transferência do aborto da barriga para a proveta.
E mesmo se fosse universalmente aceito que a eliminação do embrião é razoável em caso de doença grave, resta ainda a hipótese do abuso. Por exemplo, com essas técnicas é fácil escolher o sexo do bebê, implantando-se os embriões do gênero desejado. Abriu-se com isso o "machismo genético", resultante na eliminação de embriões femininos nos países onde ter um filho homem é considerado socialmente mais nobre. Isso virou comum na Índia.
As sociedades científicas têm se posicionado contra esse objetivo sexista, mas há ressalvas. Uma família pode querer ter finalmente um filho depois de várias meninas. Seria aético? A discussão está muito, muito longe de terminar.

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