São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 1997
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Dionisio propõe bagunçar a dramaturgia

FERNANDO OLIVA
DA REDAÇÃO

A "Trilogia do Rebento" de Dionisio Neto estréia hoje e reúne as peças do jovem dramaturgo. "Perpétua", "Opus Profundum" e "Desembestai!", escritas em menos de um ano, terão minitemporadas separadas e falam, basicamente, da solidão urbana.
As pretensões de Dionisio, 25, não são pequenas. Ele quer revolucionar o teatro e diz não aceitar a repetição de fórmulas. Para ele, só existem dois caminhos, opostos, a seguir. "Um é ficar contando histórias, e o outro é trabalhar com novas propostas de linguagem, bagunçar a dramaturgia, confundir, sair da mesmice", assinala.
A primeira peça da trilogia, "Perpétua", a estréia de hoje no Centro Cultural São Paulo, fala do encontro de um poeta com uma prostituta de luxo no ano de 2007.
"Opus Profundum" -prêmio de melhor espetáculo na Jornada Sesc de Teatro no ano passado- revela a solidão de três mitos urbanos criados por Dionisio -Natale, Carnavale e Pascoale. "Opus", que conta com a participação do grupo de rap Unidade Móvel, foi classificada por Dionisio como uma peça-festa-manifesto-show".
Por fim, "Desembestai!", que tem agora a chance de se redimir após uma malfadada estréia na última Jornada Sesc de Teatro. Os atores usavam microfones sem fio e, por problemas técnicos, a platéia não conseguia entender praticamente nada do que diziam.
Em entrevista por telefone à Folha, Dionisio fala de suas referências teatrais e afirma que hoje não existe no Brasil teatro de qualidade para o público adolescente.
*
Folha - Por que "Trilogia do Rebento"?
Dionisio Neto - Rebento no sentido da busca de uma nova dramaturgia, de uma nova maneira de fazer teatro e de sua relação com o mundo. Vem daí, de filho, mas de filho marginal, filho indesejado.
Folha - Como você relaciona as peças?
Dionisio - Os três textos passam pelo tema da solidão nas grandes metrópoles. Mas é sempre um teatro pop, e acho que isso tem confundido muito a cabeça das pessoas. É um teatro pop que não é besteirol, pop no sentido criado por Andy Warhol, de mexer com noções de massa sem cair no "Domingão do Faustão". Eu pretendo ser um teatro popular, mas com outras questões...
Folha - É um teatro para adolescentes?
Dionisio - Olha, eu tenho 25 anos, e sinto uma falta tremenda de um teatro que fale pra mim. O cinema fala pra mim, mas no teatro eu só vejo Shakespeare, Ibsen... Então eu tenho uma necessidade incrível de falar para as pessoas da minha geração. No Brasil não existe nenhuma obra, de cinema ou teatro, que fale da adolescência de uma maneira mais profunda.
Folha - Hoje, como você vê cada uma das peças?
Dionisio - Bom, em "Perpétua" eu parto de uma situação clichê, a relação amorosa de uma prostituta com um poeta, a mulher do corpo e o cara da mente, para fazer uma grande mistura, referências do faroeste com filmes de terror e ação.
"Opus Profundum", ao contrário, não tem historinha nenhuma. São vômitos verborrágicos-poéticos de três habitantes de uma grande metrópole, que falam de amor e individualidade. A mistura é ainda maior: artes plásticas com música, cinema, vídeo, instalação.
Já o "Desembestai" é um "work in progress", eu não considero pronto ainda. É a proposta mais ousada das três, misturando referências em busca de um estilo, de uma estética própria.
Folha - Houve alguma evolução de "Perpétua" a "Desembestai!"?
Dionisio - Houve uma radicalização sem cair no didatismo, sem tratar a platéia como um bando de imbecis. Em "Desembestai!", meu interesse é arriscar novas maneiras de contar a história, e eu sei que vou pagar um preço muito alto por isso, porque pouquíssimas pessoas vão entender. Talvez, daqui a algum tempo, seja mais claro.
Folha - A trilogia é um divisor de águas na sua carreira?
Dionisio - Com certeza, acabou um ciclo. Tudo isso foi muito forte, e em um ano eu tive uma repercussão que diretores levam dez anos para conseguir. Estou começando uma nova fase, mais pessoal e cada vez mais assumindo um estilo de escrever teatro.
Folha - E você sabe aonde quer chegar?
Dionisio - Graças a Deus, não. Eu não estou aqui para fazer um teatrinho correto, mas sim para arriscar caminhos novos. Quanto mais egoísta eu for, mais generoso estarei sendo. Ou eu agrado a mim mesmo, ou não agrado a ninguém.
Os grandes artistas da história falaram de si o tempo todo e conseguiram uma coisa universal. Aqui no Brasil há uma resistência absoluta a qualquer pessoa que tenha uma individualidade muito forte. E é a favor de uma nova mentalidade que eu estou trabalhando.

O quê: Trilogia do Rebento
Peças: Perpétua (de hoje até 10 de agosto), Desembestai! (13 a 31 de agosto) e Opus Profundum (20 a 24 de agosto)
Onde: Centro Cultural São Paulo (r. Vergueiro, 1.000), tel. 011/277-3611
Quando: quarta a sábado (21h30) e domingo (20h30)
Quanto: R$ 12 (hoje, R$ 0,60)

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