São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 1997
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Fálica surpresa

MOACYR SCLIAR

A coisa realmente funcionava. Era assim: em primeiro lugar, a mulher tinha de desejar, ardentemente, possuir um pênis; depois, deveria realizar certos rituais muito secretos, de culto a uma divindade fálica. Cumprida a prescrição, o desejo se realizava: quanto maior a, freudianamente chamada, inveja do pênis, maior o tamanho do órgão, que em alguns casos atingia dimensões descomunais.
O falo brotava subitamente, mas -e aí estava o problema- sem qualquer aviso prévio. Nenhuma comichão, nenhuma sensação peculiar. Quando a mulher via, estava armada. E pronta para o combate.
Foi o que aconteceu com I.P., 34 anos, secretária de uma multinacional. Cansada de receber ordens de homens, queria saber como é essa história de ser macho. Fez tudo o que deveria ser feito. Passaram-se várias semanas e então aconteceu: acordou no meio da noite sentindo-se diferente, colocou a mão e lá estava ele, um pênis imenso.
A primeira reação foi de susto, a segunda, de deleite -era assim que os homens se sentiam! Ficou ali, enlevada, saboreando sozinha o segredo que não tinha com quem dividir. Claro, a seu lado estava o marido; mas, como de costume, o marido estava dormindo. Não prestava muita atenção na esposa, ele. I.P. sabia que tinha uma namorada e já se conformara com a situação. Que de resto não lhe importava, agora que tinha o seu pênis.
De repente, porém, algo aconteceu. Na escuridão, o marido voltou-se para ela, abraçou-a ternamente. Acabo de descobrir, murmurou, que estou apaixonado por você, que nunca amei outra mulher senão você, é só você que eu quero. Antes que ela pudesse dizer algo, ele introduziu a mão.
O berro que soltou fez estremecer as vidraças. Ao pânico, seguiu-se a indignação: você me enganou, você não me disse que virou homem, todo mundo vai rir de mim, vão me achar com cara de idiota.
Ela tentou explicar que era uma coisa transitória, mas não adiantou: o marido disse que queria se separar naquela noite mesmo. Antes de ir embora, porém, fez questão de olhar o pênis da mulher. E não pode deixar de manifestar sua admiração: era realmente um belo pênis, muito maior e mais bonito que o dele próprio.
I.P. nunca mais soube do esposo. Amigos comuns dizem que ele se tornou homossexual. Do que ela não duvida: um pênis que surge subitamente pode operar transformações radicais. Aliás, não por outra razão os primitivos cultuavam divindades fálicas.

O escritor Moacyr Scliar escreve nesta coluna, às quintas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias publicadas no jornal.

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