São Paulo, quinta-feira, 31 de julho de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Confiança estóica

ABRAM SZAJMAN

Nos três anos de existência do Real, o comércio ofereceu estóica e decisiva contribuição ao êxito da estabilização, porém até agora não recebeu compensações.
Não fosse a confiança dos comerciantes no plano do presidente Fernando Henrique Cardoso, o setor talvez não tivesse tido o estímulo necessário para suportar os sacrifícios que vem suportando.
Ao mudar de maneira salutar os hábitos de consumo da população brasileira, a prática da nova moeda reservou à ponta da comercialização, nos últimos dois anos, os resultados menos gratificantes.
Tudo começou bem. No primeiro semestre de 94, o faturamento dos lojistas da Região Metropolitana de São Paulo foi 7% superior ao obtido no mesmo período do ano anterior. Em agosto, segundo mês de vigência do real, eles faturaram 27% a mais do que em agosto de 93. E, de janeiro a dezembro de 94, a evolução de 16% no seu faturamento real superou as previsões.
Outro dado relevante de 94 está ligado ao consumo de alimentos. O índice específico (ICA) da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FCESP) constatou alta anual de quase 30%.
Números tão expressivos, entretanto, não pareceram, aos governantes, apropriados à lógica da estabilidade. Isso e a crise mexicana de dezembro de 94 serviram de motivos para as severas medidas de contenção da demanda interna em abril de 95. Foi quando o faturamento anual do comércio, acossado pela elevação dos juros reais para 60% ao ano, uma das mais elevadas taxas de todo o mundo, cresceu apenas cerca de 2,5%.
Ainda em 95, o comércio vendeu de fato mais do que em 94, porém apenas em termos unitários. Para isso, teve de operar verdadeiros milagres de redução de custos, preços e margens de lucro.
Num mercado cada vez mais competitivo, alguns foram felizes, enquanto outros nem sequer tiveram a oportunidade de redobrar os esforços pela sobrevivência e sucumbiram. O faturamento real de 96 caiu 6,1%, na medida em que as vendas físicas aumentaram somente 1,4%.
Estagnação salarial, desemprego e alguns componentes do famigerado "custo Brasil", como os juros impraticáveis, a cunha fiscal e a burocracia administrativa, foram e são os principais responsáveis pelas dificuldades do comércio.
Os problemas caminham a reboque da estabilização e ao lado das reformas estruturais por fazer, como mostram taxas de desenvolvimento do setor.
De julho de 94 a maio de 97, o conjunto de lojas do varejo da capital paulista só conseguiu elevar seu faturamento real em 17,1% e suas vendas físicas em 50,6%, enquanto dois segmentos, o automotivo e o de materiais de construção, passaram a faturar menos (19,8% e 4,3%, respectivamente) ao longo do período.
Nenhum dos resultados positivos de qualquer dos ramos comerciais, mesmo o crescimento de 61,2% no faturamento real dos vendedores de bens duráveis nos últimos 36 meses, é compatível com o que se poderia esperar de uma economia estável. Até porque as aplicações de menor remuneração do mercado financeiro seriam, além de menos trabalhosas e estressantes, sem dúvida muito mais lucrativas.

Texto Anterior: Adeus aos direitos
Próximo Texto: Canibalismo; Anúncio enganoso; Vacina disponível; Orgulho; Citação indevida; Nova visão; Temas predominantes; Média positiva
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.