São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARTA A PAULO PRADO

BLAISE CENDRARS

Les Artigaux chemin du Bois de Boulogne Biarritz Basses Pyrénées

11 de dezembro de 1929

Mon cher Paul,
Eu também começo a me inquietar com a ausência de notícias suas, pois, se não lhe escrevi, ao menos dei sinal de vida, enviei alguns livros, alguns jornais, ao passo que você nada mandou além de notícias pessimistas sobre o fechamento da Bolsa de Santos.
Qual a origem da crise brasileira? Repercussão do crack de Nova York, eleições presidenciais ou o desdobramento da confusão política que conheci?
Você deve estar preocupado, gostaria de estar com você para podermos falar de tudo isso.
Deram-me dicas enormes sobre o crack de Nova York, do ponto de vista espetáculo pitoresco. E o que fizeram os fotógrafos e cinegrafistas? Foi um ótimo espetáculo para se registrar, vi no entanto apenas seis instantâneos tirados de um guichê!
De minha parte, fiz um tour pela Provença com Raymone e Volga no meu carrinho, logo depois de seu embarque; em seguida, como Raymone retornasse ao seu teatro (ela atua com os Pitoëff), vim um pouco a Biarritz ajudar Eugênia (Errazuriz) nas discussões com seu arquiteto, e agora que Eugênia voltou a Paris (onde ela frequenta em grande estilo a alta sociedade) fiquei por aqui com Volga e Chipie (uma cadelinha fox irlandesa pêlo duro) com o pretexto de escrever, mas na realidade fazendo jardinagem e paisagismo, transplantando árvores, escavando um poço, traçando as trilhas e aléias.
Enquanto isso quase ganhei o Prêmio Goncourt (!), como testemunha o recorte anexo extraído do "Petit Parisien", que dá o tom de uma grande parcela da imprensa (da grande imprensa, pois as simpatias me vêm mais desse lado que dos jornais especificamente literários... eis aí uma novidade que me surpreende).
Entretanto os livros vão saindo! (piano, piano).
Se vier, não esqueça de me trazer o material sobre os Bandeirantes, penso nisso frequentemente, pode ficar muito bonito.
Poderia me enviar, ou trazer quando vier, o estudo sobre estatuária negra da Bahia, publicada num daqueles volumes do Instituto Histórico do Rio, que me emprestou um dia?
E boas fotos do Aleijadinho? Só espero isso para poder me dedicar à versão DEFINITIVA desse livro.
Estou sempre pedindo alguma coisa, mas me contenho, pois teria ainda muitas outras que gostaria de pedir, por exemplo: ENVIE-ME UM MATO VIRGEM desmontado e numerado, de maneira que eu possa tê-lo sempre comigo no meu carro e tirá-lo de tempos em tempos de seu caixote para plantá-lo em torno de mim quando me bater a saudade: OBRIGADO.
Fiquei contente com o sucesso de Jeanneret, é um sujeito agradável, mas um doutrinário na sua profissão. Estou curioso para saber as impressões dele, quando voltar. No fundo, ele é um "perplexo" e um "tímido", por isso continua simpático apesar da doutrina.
Como novidade, não sei nada de nada, estou mais longe de Paris do que você aí; descobri uns magníficos autores russos (compre todos os livros deles) especialmente um tal de Pilnik, cujo "Uma Rússia de Avião" foi publicado numa revista que lhe mandei.
Vou passar o fim do ano no Périgord, onde tenho 150 quilos de velhos manuscritos a consultar para um de meus livros, algumas toneladas de trufas e milhares de boas garrafas para saborear e esvaziar alimentando minha gota, meu fígado, minha melancolia e minha tristeza de não estar aí com você para o peru de Natal, beber o seu bom vinho em companhia do professor, do músico, do tesoureiro, aos quais peço que mande minhas lembranças quando eles chegarem, sem esquecer num domingo o futuro general Leopoldo e todos os amigos.
Estou contente de saber que você e Marinette gozam de boa saúde e espero-lhe com impaciência
se Deus quiser (*)
Blaise

PS. (manuscrito): Carta pesada demais para avião!
(*) Em português no original.

Tradução de CARLOS AUGUSTO CALIL

Texto Anterior: O maníaco e o depressivo
Próximo Texto: Caricatura das vanguardas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.