São Paulo, domingo, 3 de agosto de 1997 |
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LE MONOCLE DE MON ONCLE
WALLACE STEVENS
V Queima no oeste uma furiosa estrela. É por jovens fogosos que ela estua E virgens oleolentes a seu lado. A medida da vibração do amor Mede, também, a verve que há na terra. O elétrico pulsar de um pirilampo Traça com tédio o tempo: mais um ano. E você? Lembra como os grilos vieram Nas noites nuas, teus primeiros ícones Liam signos afins em cada pó. VI Se os homens pintam lagos aos quarenta, O que é fugaz no azul deve fundir-se Num básico matiz, a tinta universal. Há uma substância em nós que prevalece. Mas em nossos amores vêem os amoristas Tanta flutuação que a escrita perde O fôlego a seguir-lhe as fiorituras. Quando a calvície ataca os amoristas Os amores refluem ao currículo Um tema para Hiácintos somente. VII As mulas e seus anjos descem lentas Declínios de seus sinos soam longe. Tais almocreves delicados passam Enquanto centuriões riem e batem Copas rinchantes sobre os tabuleiros. A parábola, em suma, quer dizer: O mel do céu pode vir ou não vir, Mas o da terra vem e vai, de pronto. Suponha que os arcanjos transportassem Uma donzela eternamente em flor. VIII Tedioso scholar, vislumbrei no amor Módulo antigo de uma nova mente. Ele vem, flore, gera o fruto e morre. (Um tropo trivial, porém veraz). A flor se foi. Somos o fruto agora. Duas cabaças de ouro em nossas vinhas, Sob o clima outonal, rugas de neve. Grotescos de gordura, distorcidos, Pendemos como abóboras vincadas. O céu que ri verá a nós ambos, crostas Rotas sob as borrascas invernais. IX Em versos movediços, versos-ruído Ampliados por gritos, choques, nítidos Como sonhos mortais de homens que cumprem Seu destino na guerra, ah! vem, celebra a Fé dos quarenta, guarda de Cupido! Dom Coração, a idéia mais lasciva Fora menos lasciva aos teus anseios. Testo sons, pensamentos, testo tudo Para que o som e o tom de um paladino Justifique a oblação. Onde encontrar Bravura digna de tão grande hino? X Os fãs da fantasia têm nos versos Memorabília dos seus jorros místicos, Espontâneo regar das almas áridas. Sou um escriba diante desses dândis. Não sei de árvores mágicas, balsâmicas, Ou frutos rosa-prata, ouro-vermelhos. Mas há, enfim, uma árvore que evoca Um pouco da visão que tenho em mente; Ei-la, monumental, com certa copa À qual todas as aves vêm um dia. Quando se vão a copa é a mesma copa. XI Se o sexo fosse tudo, qualquer mão Nos faria gemer robôs-palavras. Mas é a impérvia traição do acaso Que nos faz rir, chorar, gemer, grunhir Doridos versos, percutindo gestos Daquela lei primeva. Hora-ansiedade! Ontem à noite, a arfar em lago róseo, Tosquiados de lis, sob belos cromos, Já quase estrelas, nós. E eis que um batráquio Vomita vis acordes do seu ventre. XII Um pombo azul circunda o céu azul, A asa inclinada, em ronda, à roda, à roda. Um pombo branco vem até o solo, Já sem vôo. O rabi negro que eu fui, Em moço, perquiria a essência do homem. Dia após dia achei que o homem era Um naco do meu mundo de pedaços. Róseo rabi, mais tarde, persegui E ainda persigo a origem e o curso Que as coisas móveis têm sombra tão certa. Tradução de AUGUSTO DE CAMPOS Texto Anterior: A ERA E A IDADE Próximo Texto: O precioso relógio da história Índice |
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